TEXTOS DE APOIO
O Autor: Luís de Sttau Monteiro
Luís Infante de Lacerda Sttau Monteiro nasceu no dia 03/04/1926 em Lisboa e faleceu no dia 23/07/1993 na mesma cidade. Partiu para Londres com dez anos de idade, acompanhando o pai que exercia as funções de embaixador de Portugal. Regressa a Portugal em 1943, no momento em que o pai é demitido do cargo por Salazar. Licenciou-se em Direito em Lisboa, exercendo advocacia por pouco tempo. Parte novamente para Londres, tornando-se condutor de Fórmula 2. Regressa a Portugal e colabora em várias publicações, destacando-se a revista “Almanaque” e o suplemento "A Mosca" do Diário de Lisboa. Em 1961, publicou a peça de teatro Felizmente Há Luar, distinguida com o Grande Prémio de Teatro, tendo sido proibida pela censura a sua representação. Só viria a ser representada em 1978 no Teatro Nacional. Foram vendidos 160 mil exemplares da peça, resultando num êxito estrondoso. Foi preso em 1967 pela PIDE, após a publicação das peças de teatro A Guerra Santa e A Estátua, sátiras que criticavam a ditadura e a guerra colonial. Em 1971, com Artur Ramos, adaptou ao teatro o romance de Eça de Queirós A Relíquia, representada no Teatro Maria Matos. Escreveu o romance inédito Agarra o Verão, Guida, Agarra o Verão, adaptada como novela televisiva em 1982 com o título Chuva na Areia. Obras – Ficção: Um Homem não Chora (romance, 1960), Angústia para o Jantar (romance, 1961), E se for Rapariga Chama-se Custódia (novela, 1966). Teatro: Felizmente Há Luar (1961), Todos os Anos, pela Primavera (1963), Auto da Barca do Motor fora da Borda (1966), A Guerra Santa (1967), A Estátua (1967), As Mãos de Abraão Zacut (1968). A sua maior influência foi Berlott Brecht com o Teatro Épico que se debruça sobre o Homem, no seu constante devir - é uma luta permanente para transformar a sociedade. Para isso, usa a técnica da Distanciação Histórica e o realismo. É preciso procurar um facto histórico mais remoto e compará-lo com a realidade próxima que se quer denunciar. Ao criticar o passado, consegue transpor a mensagem para o presente, obtendo assim um paralelismo fiável. Os actores não interagem com o auditório. O papel deles é apresentar uma ideia e não criar empatia. Deste modo, atinge-se a lucidez e o público formula juízos de valor.
A Obra: Felizmente Há Luar!
Surgida no mesmo ano em que o Autor publicou o romance Angústia para o Jantar – mais tarde também adaptado ao teatro –, esta peça contribuiu para celebrizar Luís de Sttau Monteiro como dramaturgo, tendo sido bem recebida pela crítica do seu tempo.
Baseada na tentativa frustrada de revolta liberal em 1817, supostamente encabeçada por Gomes Freire de Andrade, Felizmente Há Luar! recria em dois actos a sequência de acontecimentos históricos que em Outubro desse ano levou à prisão e ao enforcamento de Gomes Freire pelo regime de Beresford, com o apoio da Igreja, sublinhando um apelo épico (e ético) politicamente empenhado e legível à luz do que era Portugal nos anos 60.
Chamando a atenção para a injustiça da repressão e das perseguições políticas, a peça – designada por "apoteose trágica" pelo Autor – esteve proibida até 1974 e foi pela primeira vez levada à cena apenas em 1978, no Teatro Nacional, numa encenação do próprio Sttau Monteiro.
O Carácter épico da peça/Distanciação histórica (técnica realista; influência de Brecht)
Felizmente Há Luar! é um drama narrativo, de carácter social, dentro dos princípios do teatro épico. Na linha do teatro de Brecht, exprime a revolta contra o poder e a convicção de que é necessário mostrar o mundo e o homem em constante devir. Defende as capacidades do homem que tem o direito e o dever de transformar o mundo em que vive. Por isso, oferece-nos uma análise crítica da sociedade, procurando mostrar a realidade em vez de a representar, para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar posição.
O teatro é encarado como uma forma de análise das transformações sociais que ocorrem ao longo dos tempos e, simultaneamente, como um elemento de construção da sociedade. A ruptura com a concepção tradicional da essência do teatro é evidente: o drama já não se destina a criar o terror e a piedade, isto é, já não é a função catártica, purificadora, realizada através das emoções, que está em causa, pela identificação do espectador com o herói da peça, mas a capacidade crítica e analítica de quem observa. Brecht pretendia substituir "sentir" por "pensar".
Observando Felizmente Há Luar! verificamos que são estes também os objectivos de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado (movimento liberal oitocentista em Portugal), usando-as como pretexto para falar do presente (ditadura nos anos 60 do século XX) e assim pôr em evidência a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a traição, a injustiça e todas as formas de perseguição.
"Trágica apoteose" da história do movimento liberal oitocentista
Felizmente Há Luar! é uma "trágica apoteose" da história do movimento liberal oitocentista, interpretando as condições da sociedade portuguesa no início do século XIX e a revolta dos mais esclarecidos, muitas vezes organizados em sociedades secretas, contra o poder absolutista e tirânico dos governadores e do generalíssimo Beresford. Como afirma Luciana Stegagno Picchio, é retratada a conspiração, encabeçada por Gomes Freire de Andrade, que se manifestava contrária à presença inglesa ("Manuel – Vê-se a gente livre dos Franceses e zás!, cai na mão dos Ingleses!"), na pessoa de Beresford, e à ausência da corte no Brasil. Coloca-se em destaque ao longo de toda a peça a situação do povo oprimido, as Invasões Francesas, a "protecção" britânica, iniciada após a retirada do rei D. João VI para o Brasil, e a falta de perspectivas para o futuro.
Para que o movimento liberal se concretize, é necessária a morte de Gomes Freire, dos seus companheiros e também de muitos outros portugueses, que em nome dos seus ideais são sacrificados pela pátria. Conspiradores e traidores para o poder e para as classes dominantes, que sentem os seus privilégios ameaçados, são os grandes heróis de que o povo necessita para reclamar a justiça. Por isso, as suas mortes, em vez de amedrontar, tornam-se num estímulo. A fogueira acesa na noite para queimar Gomes Freire, que os governadores querem que seja dissuasora, torna-se na luz para que os oprimidos e injustiçados lutem pela liberdade. Na altura da execução, as últimas palavras de Matilde, "companheira de todas as horas" do general Gomes Freire, são de coragem e estímulo para que o Povo se revolte contra a tirania dos governantes: ("Matilde – Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos ensina! / Até a noite foi feita para que a vísseis até ao fim…/ (Pausa) Felizmente – felizmente há luar!").
O Paralelismo passado/condições históricas dos anos 60: denúncia da violência
Felizmente Há Luar! tem como cenário o ambiente político dos inícios do século XIX: em 1817, uma conspiração, encabeçada por Gomes Freire de Andrade, que pretendia o regresso do Brasil do rei D. João VI e que se manifestava contrária à presença inglesa, foi descoberta e reprimida com muita severidade: os conspiradores, acusados de traição à pátria, foram queimados publicamente e Lisboa foi convidada a assistir.
Luís de Sttau Monteiro marca uma posição, pelo conteúdo fortemente ideológico, e denuncia a opressão vivida na época em que escreve a obra, em 1961, precisamente sob a ditadura de Salazar.
O recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no século XIX em que decorre a acção permitiu-lhe, assim, colocar também em destaque as injustiças do seu tempo e a necessidade de lutar pela liberdade.
Em Felizmente Há Luar! percebe-se, facilmente, que a História serve de pretexto para uma reflexão sobre os anos 60, do século XX. Sttau Monteiro, também ele perseguido pela PIDE, denuncia assim a situação portuguesa, durante o regime de Salazar, interpretando as condições históricas que mais tarde contribuíram para a Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974. Tal como a conspiração de 1817, em vez de desaparecer com medo dos opressores permitiu o triunfo do liberalismo, também a oposição ao regime vigente nos anos 60, em vez de ceder perante a ameaça e a mordaça, resistiu e levou à implantação da democracia.
Em Síntese:
Tempo da História
(século XIX – 1817)
- agitação social que levou à revolta
liberal de 1820 – conspirações internas;
revolta contra a presença da Corte no Brasil e influência do exército britânico
- regime absolutista e tirânico
- classes sociais fortemente hierarquizadas
- classes dominantes com medo de perder privilégios
- povo oprimido e resignado
- a “miséria, o medo e a ignorância”
- obscurantismo, mas “felizmente há luar”
- luta contra a opressão do regime absolutista
- Manuel, “o mais consciente dos populares”, denuncia a opressão e a miséria
- perseguições dos agentes de Beresford
- as denúncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento que, hipócritas e sem escrúpulos, denunciam
- censura
- severa repressão dos conspiradores
- processos sumários e pena de morte
- execução do General Gomes Freire Tempo da escrita
(século XX – 1961)
- agitação social dos anos 60 – conspirações internas; principal irrupção da guerra colonial
- regime ditatorial de Salazar
- maior desigualdade entre abastados e pobres
- classes exploradas, com reforço do seu poder
- povo reprimido e explorado
- miséria, medo e analfabetismo
- obscurantismo, mas crença nas mudanças
- luta contra o regime totalitário e ditatorial
- agitação social e política com militares antifascistas a protestarem
- Perseguições da PIDE
- denúncias dos chamados “bufos”, que surgem na sombra e se disfarçam, para colher informações e denunciar
- censura à imprensa
- prisão e duras medidas de repressão e de tortura
- condenação em processos sem provas
O Contexto histórico
Revolução Francesa de 1789 e invasões napoleónicas levam Portugal à indecisão entre os aliados e os franceses. Para evitar a rendição, D. João V foge para o Brasil. Depois da 1ª invasão, a corte pede a Inglaterra, um oficial para reorganizar o exército: MARECHAL BERESFORD
Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época em que escreve esta obra, isto é, em 1965, durante a ditadura de Salazar. Assim, o recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no início do século XIX, permitiu-lhe, também, colocar em destaque as injustiças do seu tempo.
A peça Felizmente há luar! é uma peça épica, inspirada na teoria marxista, que apela à reflexão, não só no quadro da representação, como também na sociedade em que se insere. O teatro de Brecht pretende representar o mundo e o homem em constante evolução de acordo com as relações sociais. Estas características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que pretendia despertar emoções, levando o espectador a identificar-se com o herói. O teatro moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se insere. Surge assim a técnica do distanciamento que propõe um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica possam fazer juízos de valor sobre o que está a ser representado. Luís Sttau Monteiro pretende, através da distanciação, envolver o espectador no julgamento da sociedade, tomando contacto com o sofrimento dos outros. Deste modo o espectador deve possuir um olhar crítico para melhor se aperceber de todas as formas de injustiça e opressões.
A didascália
Existem as didascálias normais, que se seguem ao texto, e as didascálias marginais, típicas do teatro de Brecht. Estas corroboram o distanciamento histórico.
A peça é rica em referências concretas (sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença, galhofa, adulação, desprezo, irritação – normalmente relacionadas com os opressores; tristeza, esperança, medo, desânimo – relacionadas com as personagens oprimidas).
As marcações são abundantes: tons de voz, movimentos, posições, cenários, gestos, vestuário, sons (o som dos tambores, o silêncio, a voz que fala antes de entrar no palco, um sino que toca a rebate, o murmúrio de vozes, o toque de uma campainha, o murmúrio da multidão) e efeitos de luz (o contraste entre a escuridão e a luz; os dois actos terminam em sombra, de acordo, aliás, com o desenlace trágico).
De realçar que a peça termina ao som de fanfarra ("Ouve-se ao longe uma fanfarronada que vai num crescendo de intensidade até cair o pano.") em oposição à luz ("Desaparece o clarão da fogueira."); no entanto, a escuridão não é total, porque "felizmente há luar".
Classificação da obra
Trata-se de um drama narrativo de carácter épico que retrata a trágica apoteose do movimento liberal oitocentista, em Portugal. Apresenta as condições da sociedade portuguesa do séc. XIX e a revolta dos mais esclarecidos, muitas vezes organizados em sociedades secretas. Segue a linha de Brecht e mostra o mundo e o homem em constante transformação; mostra a preocupação com o homem e o seu destino, a luta contra a miséria e a alienação e a denúncia da ausência de moral; alerta para a necessidade de uma sociedade solidária que permita a verdadeira realização do homem.
De acordo com Brecht, Sttau Monteiro proporciona uma análise crítica da sociedade, mostrando a realidade, do modo a levar os espectadores a reagir criticamente e a tomar uma posição.
Características da obra
- personagens psicologicamente densas e vivas
- comentários irónicos e mordazes
- denúncia da hipocrisia da sociedade
- defesa intransigente da justiça social
- teatro épico: oferece-nos uma análise crítica da sociedade, procurando mostrar a realidade em vez de a representar, para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar uma posição
- intemporalidade da peça remete-nos para a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a traição, a injustiça e todas as formas de perseguição
- preocupação com o homem e o seu destino
- luta contra a miséria e a alienação
- denuncia a ausência de moral
- alerta para a necessidade de uma superação com o surgimento de uma sociedade solidária que permitia a verdadeira realização do homem.
As personagens são psicologicamente densas, os comentários irónicos e mordazes e denuncia-se a hipocrisia da sociedade, a luta contra a miséria e a alienação, a preocupação com o Homem e o seu destino. Drama narrativo, de carácter social, na linha de Brecht (exprime a revolta contra o poder, o homem tem o direito e o dever de transformar a sociedade em que vive, com o objectivo de levar o espectador a reagir criticamente).
Brecht ("Estudos Sobre o Teatro"): propõe um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que se possam fazer juízos de valor.
Em Felizmente há Luar!, as personagens, o espaço e o tempo são trabalhados para que a "distanciação se concretize". Luta contra a tirania, opressão, traição, injustiça e todas as formas de perseguição. O dramaturgo através dos gestos, cenários, palavras e didascálias, leva o público a entender de forma clara a mensagem.
Linguagem e Estilo
Natural, viva e maleável, utilizada como marca caracterizadora e individualizadora de algumas personagens; frases em latim com conotação irónica por aparecerem aquando da condenação e da execução, frases incompletas por hesitação ou interrupção; marcas características do discurso oral e recurso frequente à ironia e sarcasmo. Existe uma enorme variedade de recursos estilísticos: (tomar especial atenção à ironia); as funções da linguagem predominantes são a apelativa (frase imperativa); informativa (frase declarativa); emotiva [frase exclamativa, reticências, anacoluto (frases interrompidas)].
Como drama narrativo, pressupõe uma acção apresentada ao espectador e com possibilidade de ser vivida por ele, mas, sobretudo, procura a sua conivência (cumplicidade) ou participação testemunhal.
O carácter narrativo é sinónimo de épico, ao contar determinados acontecimentos que devem ser interpretados, reflectidos e julgados pelo espectador, enquanto elemento da sociedade. Observando Felizmente há Luar, verificamos que são estes os objectivos de Luís de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado, usando-as como pretexto para falar do presente.
O teatro moderno, do qual faz parte esta obra, tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre acontecimentos passados e a tomar posições na sociedade em que se inserem, para tal é usada uma técnica realista/influência de Brecht – DISTANCIAÇÃO HISTÓRICA – isto é:
- o actor deve conseguir "afastar-se"da personagem
- o espectador deve conseguir "afastar-se" da história narrada
Esta técnica acaba por aproximar o actor e o espectador, de tal modo que ambos se distanciam da história narrada, podendo assim como pessoas reais fazerem os respectivos juízos ou criticas de forma precisa e consciente sobre o que se passa em palco.
Assim, Luís de Sttau Monteiro, através desta técnica, pretende levar o espectador a ter um olhar crítico para que se aperceber e criticar as injustiças e opressões.
As Personagens
É possível agrupar algumas personagens segundo as suas posições.
1. Os do Poder: D. Miguel Forjaz; Marechal Beresford e Principal Sousa
2. O Povo: Manuel (o mais consciente dos populares); Rita; O Antigo Soldado; Vicente
3. Os Delatores: Morais Sarmento; Andrade Corvo e Vicente
As individuais:
. Frei Diogo de Melo, o homem sério da Igreja
. António de Sousa Falcão, o amigo
. Matilde de Melo, a companheira de todas as horas
. General Gomes Freire de Andrade
Nota: Vicente é a única personagem que evolui na obra: começa como membro do povo e acaba no grupo dos delatores, elevado a chefe da polícia.
Manuel: representa o povo oprimido e esmagado. É lúcido e consciente. Usa uma linguagem popular que combina com o realismo da obra. Denuncia a opressão a que o povo está sujeito. É o mais consciente dos populares; é corajoso.
General Gomes Freire: Único, com valores, íntegro, politicamente liberal, igualitário. Protagonista, embora nunca apareça é evocado através da esperança do povo, das perseguições dos governadores e da revolta da sua mulher e amigos. É acusado de ser o grão-mestre da maçonaria, estrangeirado, soldado brilhante, idolatrado pelo povo. Acredita na justiça e luta pela liberdade. É apresentado como o defensor do povo oprimido; o herói (no entanto, ele acaba como o anti-herói, o herói falhado); símbolo de esperança de liberdade.
Vicente: desrespeita/ despreza o povo – FALSO HUMANITÁRIO; É contra o general; traidor, calculista; ambicioso, materialista; subtil, inteligente; egoísta. Sarcástico, demagogo, falso humanista, movido pelo interesse da recompensa material, hipócrita, despreza a sua origem e o seu passado; traidor; desleal; acaba por ser um delator que age dessa maneira porque está revoltado com a sua condição social (só desse modo pode ascender socialmente).
D. Miguel Forjaz: Anti-progressista/retrógrado; conservador; autoritário; medroso; sem escrúpulos/ mercenário; corrupto – deixa-se corromper e tenta corromper os outros; vê o liberalismo como anarquia e caos; acha-se superior – absolutista: “Um mundo em que não se distinga a olho nu um nobre de um popular não é mundo em que eu deseje viver”; falso demagogo “Deus, Pátria e Família”. Primo de Gomes Freire, assustado com as transformações que não deseja, corrompido pelo poder, vingativo, frio e calculista. Prepotente; autoritário; servil (porque se rebaixa aos outros).
Matilde de Melo: corajosa, exprime romanticamente o seu amor, reage violentamente perante o ódio e as injustiças, sincera, ora desanima, ora se enfurece, ora se revolta, mas luta sempre. Representa uma denúncia da hipocrisia do mundo e dos interesses que se instalam em volta do poder (faceta/discurso social); por outro lado, apresenta-se como mulher dedicada de Gomes Freire, que, numa situação crítica como esta, tem discursos tanto marcados pelo amor, como pelo ódio. É a força do segundo acto; está desesperada; luta por: lealdade, justiça, verdade; digna; apaixonada e devota a Gomes Freire; por vezes, parece um pouco alucinada; culta, vivida; forte, lutadora, destemida; inteligente; grande poder de Argumentação (ver discussão com Principal Sousa). Oscila entre dois pólos:
. uma mulher feminina, frágil, consumida pela angústia, a suplicar pelo amor da sua vida, não temendo sequer contrariar princípios.
. uma mulher forte, destemida, que acusa os males do seu povo e denuncia a corrupção e a falta de índole, a tirania.
“Cortam-se as árvores para não fazerem sombra aos arbustos!”
António Sousa Falcão: inseparável amigo, sofre junto de Matilde, assume as mesmas ideias que Gomes Freire, mas não teve a coragem do general. Representa a amizade e a fidelidade; é o único amigo de Gomes Freire de Andrade que aparece na peça; ele representa os poucos amigos que são capazes de lutar por uma causa e por um amigo nos momentos difíceis.
Frei Diogo: homem sério; representante do clero; honesto – é o contraposto do Principal Sousa. O lado bom da igreja; homem com compaixão; conforta Matilde; defende Gomes Freire – corrobora a sua inocência; opõe-se ao Principal Sousa
Delatores: mesquinhos; oportunistas; hipócritas.
MIGUEL FORJAZ, BERESFORD e PRINCIPAL SOUSA perseguem, prendem e mandam executar o General e restantes conspiradores na fogueira. Para eles, a execução à noite, constituía uma forma de avisar e dissuadir os outros revoltosos, mas para MATILDE era uma luz a seguir na luta pela liberdade.
Marechal Beresford: Mercenário; lúcido e consciente; mau soldado, mas bom estratega; pragmático; calculista “não é prudente ainda dizê-lo”; ardiloso – trama a confusão mas não a integra. Pautado pelo cinismo em relação aos portugueses, a Portugal e à sua situação; oportunista; autoritário; mas é bom militar; preocupa-se somente com a sua carreira e com dinheiro; ainda consegue ser minimamente franco e honesto, pois tem a coragem de dizer o que realmente quer, ao contrário dos dois governadores portugueses. É poderoso, interesseiro, calculista, trocista, sarcástico.
Principal Sousa: Corrompido pelo poder; deveria semear a paz e semeia o confronto; hipócrita; contra o liberalismo – odeia os franceses por causa das suas ideias; anti-progressista; cínico. Defende o obscurantismo, é deformado pelo fanatismo religioso; desonesto, corrompido pelo poder eclesiástico, odeia os franceses.
O Tempo
a) tempo histórico: século XIX
b) tempo da escrita: 1961, época dos conflitos entre a oposição e o regime salazarista
c) tempo da representação: 1h30m/2h
d) tempo da acção dramática: a acção está concentrada em 2 dias
e) tempo da narração: informações respeitantes a eventos não dramatizados, ocorridos no passado, mas importantes para o desenrolar da acção
O Espaço
espaço físico: a acção desenrola-se em diversos locais, exteriores e interiores, mas não há nas indicações cénicas referência a cenários diferentes
espaço social: meio social em que estão inseridas as personagens, havendo vários espaços sociais, distinguindo-se uns dos outros pelo vestuário e pela linguagem das várias personagens.
luz/sombra:
. A falta de luz no cenário (escuridão total) mostra o clima da época – o regime opressor, a ignorância do povo, a obscuridade.
. A intensa luminosidade no Manuel (primeira cena) corrobora a indicação inicial “Manuel, o mais consciente dos populares”. Luz é conhecimento, lucidez.
O Título
O título da peça aparece duas vezes ao longo da peça, ora inserido nas falas de um dos elementos do poder – D. Miguel – ora inserido na fala final de Matilde. Em primeiro lugar é curioso e simbólico o facto de o título coincidir com as palavras finais da obra, o que desde logo lhe confere circularidade.
1) página 131 – D. Miguel: salientando o efeito dissuasor das execuções, querendo que o castigo de Gomes Freire se torne num exemplo
2) página 140 – Matilde: na altura da execução são proferidas palavras de coragem e estímulo, para que o povo se revolte contra a tirania
Num primeiro momento, o título representa as trevas e o obscurantismo; num segundo momento, representa a caminhada da sociedade em busca da liberdade.
Como facilmente se constata a mesma frase é proferida por personagens pertencentes a mundos completamente opostos: D. Miguel, símbolo do poder, e Matilde, símbolo da resistência e do antipoder. Porém o sentido veiculado pelas mesmas palavras altera-se em virtude de uma afirmação dar lugar a uma eufórica exclamação
Para D. Miguel, o luar permitiria que as pessoas vissem mais facilmente o clarão da fogueira, isso faria com que elas ficassem atemorizadas e percebessem que aquele é o fim ultimo de quem afronta o regime. A fogueira teria um efeito dissuasor.
Para Matilde, estas palavras são fruto de um sofrimento interiorizado reflectido, são a esperança e o não conformismo nascidos após a revolta, a luz que vence as trevas, a vida que triunfa da morte. A luz do luar (liberdade) vencerá a escuridão da noite (opressão) e todos poderão contemplar, enfim, a injustiça que está a ser praticada e tirar dela ilações.
Há que imperiosamente lutar no presente pelo futuro e dizer não à opressão e falta de liberdade, há que seguir a luz redentora e trilhar um caminho novo.
Os Símbolos
A Moeda de cinco reis: símbolo do desrespeito que os mais poderosos mantinham para com o próximo, contrariando os mandamentos de Deus.
- a miséria do povo, a esmola
- o compromisso que o povo tem para com o General:
. É como uma medalha de honra para Matilde.
. É símbolo da fé que o povo tem no General.
. Mostra que povo não luta porque não pode.
- a traição da igreja (à semelhança de Judas, a igreja vende-se em nome do dinheiro e do poder)
A luz: como metáfora do conhecimento dos valores do futuro (igualdade, fraternidade e liberdade), que possibilita o progresso do mundo, vencendo a escuridão da noite (opressão, falta de liberdade e de esclarecimento), advém quer da fogueira quer do luar. Ambas são a certeza de que o bem e a justiça triunfarão, não obstante todo o sofrimento inerente a eles. Se a luz se encontra associada à vida, à saúde e à felicidade, a noite e as trevas relacionam-se com o mal, a infelicidade, o castigo, a perdição e a morte. A luz representa a esperança num momento trágico.
A Noite: mal, castigo, morte, símbolo do obscurantismo
A lua: simbolicamente, por estar privada de luz própria, na dependência do Sol e por atravessar fases, mudando de forma, representa: dependência, periodicidade. A luz da lua, devido aos ciclos lunares, também se associa à renovação. A luz do luar é a força extraordinária que permite o conhecimento e a lua poderá simbolizar a passagem da vida para a morte e vice-versa, o que aliás, se relaciona com a crença na vida para além da morte.
O luar: duas conotações: para os opressores, mais pessoas ficarão avisadas e para os oprimidos, mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade.
A Fogueira: D. Miguel Forjaz – ensinamento ao povo; Matilde – a chama mantém-se viva e a liberdade há-de chegar. O fogo é um elemento destruidor e ao mesmo tempo purificador e regenerador, sendo a purificação pela água complementada pela do fogo. Se no presente a fogueira se relaciona com a tristeza e escuridão, no futuro relacionar-se-á com esperança e liberdade.
- Por D. Miguel: símbolo de purificação, limpeza
. Quem não está connosco, está contra nós, é preciso afastar.
. Semelhança com a Santa Inquisição
- Por Matilde e Sousa Falcão:
. Profecia de mudança
. Purificação, redenção, chama da esperança
. Renascimento, advento
A Saia Verde: a saia encontra-se associada à felicidade e foi comprada numa terra de liberdade: Paris, no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas ("alegria no reencontro"); a saia é uma peça eminentemente feminina e o verde encontra-se destinado à esperança de que um dia se reponha a justiça. Sinal do amor verdadeiro e transformador, pois Matilde, vencendo aparentemente a dor e revolta iniciais, comunica aos outros esperança através desta simples peça de vestuário. O verde é a cor predominante na natureza e nos campos na Primavera, associando-se à força, à fertilidade e à esperança.
- Em vida:
. Esperança
. Liberdade - Paris, Revolução Francesa
. Pureza, Inocência - neve branca
- Após a Morte:
. A alegria do reencontro
. A esperança de que a morte do General não seja em vão
. A esperança da mudança
O Preto (luto) de Sousa Falcão:
- Luto por si mesmo
- Auto-recriminação por não ter tido a coragem do General
- Se ele partilhava os mesmos ideais que o General, deveria ter dado a cara e lutado com ele
- Arrepende-se da sua cobardia
“Há homens que obrigam todos os outros a reverem-se por dentro”
O Título: duas vezes mencionado, inserido nas falas das personagens (por D. Miguel, que salienta o efeito dissuasor das execuções e por Matilde, cujas palavras remetem para um estímulo para que o povo se revolte).
- Por D. Miguel:
. “Felizmente há luar” para se verem melhor as execuções e para que o medo conseguido seja maior a abranja mais pessoas.
. A Lua: monotonia, falta de liberdade de acção e expressão.
. Tal como a lua, os regimes déspotas só sobrevivem se os mais fortes estiverem controlados. Brilham com a luz dos outros.
- Por Matilde:
. O luar permite que mais gente veja a fogueira, mais gente vença o medo, mais gente se revolte e se una para mudar.
. O luar aumenta a amplitude da purificação. Mais irão percorrer em direcção à luz, à liberdade, ao conhecimento, à justiça, à democracia.
Os tambores: símbolo da repressão sempre presente.
A Interpretação dos símbolos
• A saia verde " A felicidade – a prenda comprada em Paris (terra da liberdade), no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas;" Ao escolher aquela saia para esperar o companheiro após a morte, destaca a "alegria" do reencontro ("agora que acabaram as batalhas, vem apertar-me contra o peito"). " A saia é uma peça eminentemente feminina e o verde está habitualmente conotado com tranquilidade e esperança, traduzindo uma sensação de repouso, envolvente e refrescante.
• O título/a luz/a noite/o luar - O título é duas vezes mencionado ao longo da peça, inserido nas falas das personagens: D. Miguel salienta o efeito dissuasor que aquelas execuções poderão exercer sobre todos os que discutem as ordens dos governadores: "Lisboa há-de cheirar toda a noite a carne assada. (…) Sempre que pensarem em discutir as nossas ordens, lembrar-se-ão do cheiro…"Logo de seguida afirma: «É verdade que a execução se prolongará pela noite, mas felizmente há luar…» - esta primeira referência ao título da peça, colocada na fala do governador, está relacionada com o desejo expresso de garantir a eficácia desta execução pública: a noite é mais assustadora, as chamas seriam visíveis de vários pontos da cidade e o luar atrairia as pessoas à rua para assistirem ao castigo, que se pretendia exemplar. Na altura da execução, as últimas palavras de Matilde, "companheira de todas as horas" do general Gomes Freire de Andrade, são de coragem e estímulo para que o povo se revolte contra a tirania dos governantes: "-Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos ensina! /Até a noite foi feita para que a vísseis até ao fim…/ (Pausa) / Felizmente – felizmente há luar!"Na peça, nestes dois momentos em que se faz referência directa ao título, a expressão "felizmente há luar" pode indiciar duas perspectivas de análise e de posicionamento das personagens: As forças das trevas, do obscurantismo, do anti-humanismo utilizam, paradoxalmente, o lume (fonte de luz e de calor) para "purificar a sociedade" (a Inquisição considerava a fogueira como fonte e forma de purificação); Se a luz é redentora, o luar poderá simbolizar a caminhada da sociedade em direcção à redenção, em busca da luz e da liberdade.
Assim, dado que o luar permite que as pessoas possam sair de suas casas (ajudando a vencer o medo e a insegurança na noite da cidade), quanto maior for a assistência isso significará:
- Para os opressores, que mais pessoas ficarão "avisadas" e o efeito dissuasor pretendido será maior;
- Para os oprimidos, que mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade.
• A fogueira/o lume - Após a prisão do general, num diálogo de "tom profético" e com "voz triste" (segundo a didascália), o Antigo Soldado, afirma: "Prenderam o general…Para nós, a noite ainda ficou mais escura…". A resposta ambígua do 1º Popular pode assumir também um carácter de profecia e de esperança: "É por pouco tempo, amigo. Espera pelo clarão das fogueiras…". Matilde, ao afirmar que aquela fogueira de S. Julião da Barra ainda havia de "incendiar esta terra!", mostra que a chama se mantém viva e que a liberdade há-de chegar.
A Relação entre a carga dramática de Matilde, o tempo da história e o tempo da escrita
Escrito no século XX, em pleno auge do regime ditatorial de Salazar, e remetido para o século XIX, em pleno regime déspota, Felizmente há luar mostra-nos, claramente a censura e a falta de liberdade de acção, pensamento e expressão que se viveu nestes dois tempos.
Matilde aparece como a força do segundo acto, carregada de emoção, provocando o clímax da história. É ela quem denuncia e quem se revolta contra o movimento castrador que se desenvolvia por todo o país, quem ousa enfrentar o poder absoluto em prol da liberdade, da mudança e da democracia. Usa frases simples, mas fortalecidas com grande energia, coragem e direcção: “Cortam-se as árvores para não fazerem sombra aos arbustos”. Mostra-nos que toda e qualquer ameaça ao poder conservador e unidireccional era, imediatamente, aniquilada.
Matilde oscila entre dois pólos: num é uma mulher frágil e comovida que luta exclusivamente pelo marido inocente, vítima dos interesses mais altos do reino; noutro é a mulher forte e destemida que grita as condições do povo, a podridão das relações da igreja, a falta de índole da nobreza e a ignorância do povo. No entanto, em ambos os casos é uma lutadora, ávida por justiça, que acorda o público/sociedade para a lástima de pessoas que governavam em Portugal. As crises são cíclicas. Foi no século XIX, foi no século XX e foi em muitas outras ocasiões anteriores porque o Homem é assim: não aprende.
A Sistematização das personagens e acção em Felizmente há luar!
Posições atitudes, pensamentos e ideais das personagens
Primeiro Acto de Felizmente Há Luar!
Situação: Gomes Freire encontra-se em sua casa, “para os lados do Rato”
O POVO: “O pano de fundo permanente” da peça
Manuel
Rita
Antigo Soldado
Outros populares (anónimos) Ø Lutam por uma sociedade mais justa e mais livre.
Ø Procuram alguém que os liberte da “protecção” dos ingleses e da tirania da regência.
Ø Consideram que o General é a única pessoa capaz de os libertar da opressão do regime vigente…
Ø Manifestam falta de esperança e desalento.
Ø Temem a repressão
OS TRAIDORES DO POVO
Vicente
Andrade Corvo
Morais Sarmento
Os dois polícias
Ø Assumem um papel hostil; são hipócritas e não têm escrúpulos.
Ø Denunciam a conjura.
Ø Contribuem para a prisão e posterior execução do General.
A ACÇÃO DE VICENTE
Provocador
Delator (“bufo”)
Espião
Acusador Ø Procura denegrir o prestígio de Gomes Freire.
Ø Ambicioso, esperando recompensa, denuncia o General a D. Miguel Forjaz.
Ø Vigia a casa do general Freire de Andrade.
Ø Confirma a existência de reuniões e indica o nome dos conspiradores.
O CONSELHO DE REGÊNCIA
D. Miguel Forjaz
Marechal Beresford
Principal de Sousa Ø Representante da nobreza.
Ø Representante do domínio britânico sobre o nosso país.
Ø Representante da influência da Igreja.
Ø Todos são hostis ao General Gomes Freire: receiam perder o seu status
O GENERAL GOMES FREIRE – personagem sempre presente, nas palavras e nos pensamentos de todos (povo, policiais e governadores – por razões diferentes) mas nunca aparece.
Segundo Acto de Felizmente Há Luar!
Situação: Gomes Freire está encarcerado no forte de S. Julião da Barra, no final, depois de esgotadas todas as tentativas para lhe alcançarem o perdão é executado e queimado.
O POVO: “Pano de fundo permanente” da peça
Manuel
Rita
Antigo Soldado
Outros populares Ø Desanimados, sentem que a luta está perdida e que a situação ainda é pior do que era antes.
Ø Manuel afirma: “Se tínhamos fome e esperança, ficamos só com fome…Se durante uns tempos, acreditámos em nós próprios, voltamos a não acreditar em nada…”
Ø Rita aconselha: “Nunca te metas nestas coisas, Manuel! Haja o que houver, nunca te metas com eles. Prefiro ver-te com fome, a perder-te”.
AS FORÇAS DA ORDEM
Dois Polícias Ø Assumem o papel de defensores da ordem pública, dispersando o povo: “Então vocês não sabem que estão proibidos os ajuntamentos?”
OS TRAIDORES DO POVO
Vicente Ø Como recompensa, assume novas funções de chefe de polícia.
Ø Imaginando-se nas suas futuras funções, afirma: “Os degraus da vida são logo esquecidos por quem sobe a escada…”
OS QUE TENTAM SALVAR O GENERAL
Matilde
Sousa Falcão
Frei Diogo Ø Tentam por todos os meios obter perdão para o general.
Ø Interpelam os Governadores para implorar e exigir o perdão do General.
Ø Revoltam-se contra a injustiça que está a ser cometida.
Ø Matilde, no final, demonstra esperança de que este será o primeiro passo para a alteração futura do regime opressivo.
Ø Permite distinguir as qualidades humanas do General e salva a face da Igreja…
O CONSELHO DE REGÊNCIA
Beresford
D. Miguel Forjaz
Principal de Sousa Ø Exibem o pior do seu carácter: ambição, prepotência, arrogância e oportunismo, hipocrisia, falta de sentimentos humanos, mediocridade.
Ø São intolerantes e inflexíveis perante os argumentos de Matilde.
Ø Pretendem amedrontar e dominar pelo medo e pelo terror da repressão.
Um Tema da nossa história
Luís de Sttau Monteiro publicou a sua obra Felizmente há Luar! em [1961], porém a censura não deixou subir à cena, o que só viria a acontecer em 1978, no Teatro Nacional, numa encenação do próprio autor. Trata-se de um drama narrativo, na linha do teatro brechtiano, o seu protagonista, o General Gomes Freire de Andrade, nunca aparece em cena, mas o seu calvário, da prisão à figueira, é retraçado através da perseguição que lhe movem os governadores do reino, da forçada resignação de um povo dominado pela "miséria, o medo e a ignorância", da revolta desesperada e impotente da mulher.
Felizmente Há Luar! aborda um tema da nossa história: A Conspiração de 1817. Esta obra apresenta dois tempos: o tempo da história e o tempo da escrita. O tempo da história é o século XIX (1817) época em que começa a desenhar-se a imposição do regime liberal, o tempo da escrita é o ano de 1961 (ano de convulsões de oposição ao regime salazarista).
Trata-se de uma peça épica, inspirada na teoria marxista, que apela à reflexão, não só no quadro da representação, como também na sociedade em que se insere. O teatro de Brecht pretende representar o mundo e o homem em constante evolução de acordo com as relações sociais. Estas características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que pretendia despertar emoções, levando o espectador a identificar-se com o herói. O teatro moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se insere. Surge assim a técnica do distanciamento que propõe um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica possam fazer juízos de valor sobre o que está a ser representado. Luís de Sttau Monteiro pretende através da distanciação, envolver o espectador no julgamento da sociedade, tomando contacto com o sofrimento dos outros. Deste modo o espectador deve possuir um olhar crítico para melhor se aperceber de todas as formas de injustiça e opressões.
Felizmente há Luar! é hoje um clássico da literatura dramática portuguesa. Com esta peça e o Render dos heróis de José Cardoso Pires, dá-se início a uma corrente de teatro narrativo de influência Brechtiana que na segunda metade do século XX veio a ter seguidores em Portugal, entre os quais se contam Romeu Correia, Bernardo Santareno, Fernando Luso Soares, Hélder Costa, etc. A partir da obra de Raul Brandão Vida e Morte de Gomes Freire, Luís de Sttau Monteiro mostra-nos o reino de Portugal sob o domínio dos ingleses que ocuparam o país, no seguimento da vitória sobre as invasões francesas. A ditadura de William Beresford, o "aliado"ocupante, serve a Sttau Monteiro para mostrar os mecanismos de denúncia e traição que os regimes ditatoriais sempre fomentam e assim aproximar aquele período do século XIX da ditadura de Salazar sob a qual viveu. A obra, escrita em 1961, aproxima Gomes Freire de Andrade de Humberto Delgado, candidato da oposição a Salazar, que, como o primeiro, acaba assassinado pelo regime a que se opôs. A peça faz assim, tal como o teatro fez sempre, uma transposição de tempos. Mostra-se o que se passou para que todos compreendamos melhor o que se passa. Assim fizeram os trágicos gregos indo buscar matéria à Guerra de Tróia e ao ciclo Tebano, assim fez Shakespeare indo estudar as crónicas dos antigos reis, assim fez Kleist, Victor Hugo, assim fez Brecht, Heiner Müller, etc, etc. No início, a peça mostra-nos o ambiente que precede a revolta que, a triunfar, trará de volta o rei D. João VI a Portugal e promulgará uma monarquia constitucional. Intrigas, denúncias, mas também o povo esperançado a avançar na sua luta. O ritmo é rápido, através do qual são apresentados os vários grupos sociais que estão em jogo e termina com a prisão de Gomes Freire de Andrade. Segue-se o desânimo geral devido à prisão do General. Tal como no tempo de Salazar, a polícia actua sobre os civis evitando que a revolta se propague. Matilde, a mulher de Gomes Freire de Andrade, personagem que embora tendo existido realmente, é na peça romantizada e enfatizada pelo autor que lhe confere o papel da corajosa protagonista que tudo arrisca para salvar o "seu herói" com quem partilhou amor, vida e convicções durante muitos anos. O ritmo deste acto é mais lento, mais trágico, mais belo. Tudo caminha para a fatalidade. O herói será sacrificado. No fim, só nos resta esperar que o heroísmo do grande patriota dê frutos e exemplo na resistência à tirania. No silêncio, o povo avança…
Há peças que marcam uma época. É o caso de Felizmente há luar! de Luís de Sttau Monteiro. Foi escrita nos anos de brasa que foram o início dos anos 60 e no rescaldo da burla eleitoral que entronizou o medíocre marinheiro Américo Tomás no posto de Presidente da República roubando ao povo português a sua indiscutível escolha, o general Humberto Delgado. A peça foi publicada e alcançou grande êxito, aliás previsível, dado o paralelismo entre a perseguição ao general Gomes Freire de Andrade e ao general que tinha entusiasmado o país anunciando que "obviamente" iria demitir o Presidente do Conselho se fosse eleito. Claro que a Censura proibiu a sua exibição e o autor passou a sofrer o anátema de ser anti-regime, venerado, atento e obrigado. A resposta de Sttau Monteiro foi clara e sem equívocos. Não perdeu a arma que era a sua pena e não abrandou a luta nem a coragem. E, por isso, teve a normal resposta do ditador Salazar: perseguições e prisão. É bom lembrar a acção exemplar deste género de intelectuais, hoje espécimen raro em Portugal e no mundo dito civilizado. Na linha de Zola, Romain Roland, Stefan Zweig e tantos outros, era um intelectual comprometido com o seu tempo.
Bibliografia:
Moreira, V. e Pimenta H., Dimensão Literária 12.º, Porto Editora;
Guerra, J.A.,Vieira J.A. Aula Viva 12.º, Porto Editora.
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