O Modernismo
Entende-se por «Modernismo» um movimento estético, em que a literatura surge associada às artes plásticas e é por elas influenciada, empreendido pela geração de Fernando Pessoa (n. 1888), Mário Sá-Carneiro (n. 1890) e Almada-Negreiros (n. 1893), em uníssono com a arte e a literatura mais avançadas na Europa, sem prejuízo, porém, da sua originalidade nacional. Trata-se, pois, de algo delimitado no tempo, algo sobre que temos já uma perspectiva histórica, embora seja lícito, não só descobrir-lhe precedentes na própria literatura portuguesa (sobretudo na geração de Eça de Queirós, autor das atrevidas Prosas Bárbaras e criador, com Antero, do poeta fictício, baudelairiano, Carlos Fradique Mendes; em Cesário Verde, em Eugénio de Castro, em Camilo Pessanha, em Patrício), mas ainda assinalar os seus prolongamentos até aos nossos dias, a sua acção decisiva na instauração entre nós do que consideramos agora a «modernidade». O modernismo assim definido tem consequências mais profundas que o simbolismo-decadentismo de 1890, a que os Espanhóis chamam «Modernismo»: implica uma nova concepção da literatura como linguagem, põe em causa as relações tradicionais entre autor e obra, suscita uma exploração mais ampla dos poderes e limites do Homem, no momento em que defronta um mundo em crise, ou a crise duma imagem congruente do Homem e do mundo.
Foi por 1913, em Lisboa, que se constituiu o núcleo do grupo modernista. Ao invés dos movimentos literários anteriores (Simbolismo, Saudosismo), o Modernismo seria basicamente lisboeta, apenas com algumas adesões de Coimbra (o poeta e ficcionista Albino de Meneses, etc.) e ecos vagos noutros pontos da província. Pessoa e Sá-carneiro haviam colaborado n' A Águia, órgão do Saudosismo; mas iam agora realizar-se em oposição a este, desejosos como estavam de imprimir ao ambiente literário português o tom europeu, audaz e requintado, que faltava à poesia saudosista. Nesse ano de 1913 escreveu Sá-Carneiro, aplaudido pelo seu amigo F. Pessoa, os poemas de Dispersão; ambos nutriam o sonho duma revista, significativamente intitulada Europa; F. Pessoa dava início a uma escola efémera compondo o poema «Paúis» (publicado em Renascença, Fevereiro de 1914); Pessoa e Almada travavam relações, graças à primeira exposição (de caricaturas) por este efectuada, e criticada por aquele nas colunas d' A Águia (cf. Páginas de Doutrina Estética de F. Pessoa). Em 1914 os nossos jovens modernistas, estimulados pela aragem de actualidade vinda de Paris com Sá-Carneiro e Santa-Rita Pintor, adepto do futurismo, faziam seu o projecto que Luís da Silva Ramos (Luís de Montalvor) acabava de trazer do Brasil: o lançamento duma revista luso-brasileira, Orpheu. Dessa revista saíram com efeito dois números (os únicos publicados) em 1915; feitos, em parte, para irritar o burguês, para escandalizar, estes dois números alcançaram o fim proposto, tornando-se alvo das troças dos jornais; mas a empresa não pôde prosseguir por falta de dinheiro. Em Abril de 1916, o suicídio de Sá-Carneiro privou o grupo dum dos seus grandes valores. Entretanto, a geração modernista continuou a manifestar-se, quer em publicações individuais, quer através de outras revistas: Exílio (1916), com um só número, onde Fernando Pessoa deu a lume «Hora Absurda» e um artigo sobre o «movimento sensacionista»; Centauro (1916), com textos de Montalvor («Tentativa de um ensaio sobre a decadência»), Camilo Pessanha, A. Osório de Castro, F. Pessoa (série de sonetos «Passos da Cruz») e Raul Leal; Portugal Futurista (1917), com reproduções de quadros de Santa-Rita Pintor e Sousa Cardoso, um manifesto de Marinetti, versos de Apollinaire e Blaise Cendras, prosa e versos (?) de Almada - os mais acintosamente futuristas -, poemas de Sá-Carneiro e Pessoa («Ficções do Interlúdio»), o «Ultimatum» de Álvaro de Campos. Foi também em 1917 que Almada-Negreiros, «poeta do Orpheu, sensacionista e Narciso do Egipto», organizou no Teatro República (hoje São Luís) uma escandalosa sessão futurista, cujos textos aquela revista exara. Dentro ainda da corrente modernista (dum modernismo já serenado ou atenuado) cumpre citar a Contemporânea (1922-26), onde Pessoa louva o helenismo de António Botto, e Álvaro de Campos (por cause...) discorda dos juízos estéticos de Pessoa, e Athena (1924-25), dirigida por F. Pessoa e Ruy Vaz, onde saíram os «Apontamentos para uma estética não-aristotélica» de Álvaro de Campos. Na corrente modernista enfileiraram também Gil Vaz (pseud. de Manuel Mendes Pinheiro), Mendes de Brito (aliás Mem de Brito e José Galeno), Castelo de Morais o contista de Sangue Bárbaro, Carlos Franco, pintor que morreu em combate em França, Ponce de Leão, poeta e crítico (Se Gil Vicente voltasse!), dramaturgo (A Casaca Encarnada, Inimigos, Lua de Mel, Extremo Recurso, etc.), além de crítico teatral.
A revista Presença, aparecida em 1927, não só deu a conhecer e valorizou criticamente as obras dos homens do Orpheu, como lhes herdou o espírito por intermédio de alguns dos presencistas, pertencentes já a uma segunda geração modernista. Nela colaborou Fernando Pessoa. No Orpheu, são futuristas a «Ode Triunfal» e a «Ode Marítima» (dependentes aliás de Whitman, mais que de Marinetti) de Álvaro de Campos, e o poema «Manucure», com que Sá-Carneiro pagou um tributo de circunstância a essa escola. Futuristas, porque não voltam costas à vida moderna refugiando-se, ressentidos e desistentes, no mundo interior; pelo contrário, cantam os grandes frémitos, as euforias da civilização mecânica, «Gritos de actual e Comércio e Indústria / Em trânsito cosmopolita»; e Sá- Carneiro, mais «palhaço» ainda, lança palavras e números «em liberdade», introduz no poema sinais de vários alfabetos, tabuletas de firmas comerciais, onomatopeias exóticas em vários corpos tipográficos, segundo uma técnica publicitária.
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