TEXTOS DE APOIO
O Autor: Luís de Sttau Monteiro
Luís Infante de Lacerda Sttau Monteiro nasceu no dia 03/04/1926 em Lisboa e faleceu no dia 23/07/1993 na mesma cidade. Partiu para Londres com dez anos de idade, acompanhando o pai que exercia as funções de embaixador de Portugal. Regressa a Portugal em 1943, no momento em que o pai é demitido do cargo por Salazar. Licenciou-se em Direito em Lisboa, exercendo advocacia por pouco tempo. Parte novamente para Londres, tornando-se condutor de Fórmula 2. Regressa a Portugal e colabora em várias publicações, destacando-se a revista “Almanaque” e o suplemento "A Mosca" do Diário de Lisboa. Em 1961, publicou a peça de teatro Felizmente Há Luar, distinguida com o Grande Prémio de Teatro, tendo sido proibida pela censura a sua representação. Só viria a ser representada em 1978 no Teatro Nacional. Foram vendidos 160 mil exemplares da peça, resultando num êxito estrondoso. Foi preso em 1967 pela PIDE, após a publicação das peças de teatro A Guerra Santa e A Estátua, sátiras que criticavam a ditadura e a guerra colonial. Em 1971, com Artur Ramos, adaptou ao teatro o romance de Eça de Queirós A Relíquia, representada no Teatro Maria Matos. Escreveu o romance inédito Agarra o Verão, Guida, Agarra o Verão, adaptada como novela televisiva em 1982 com o título Chuva na Areia. Obras – Ficção: Um Homem não Chora (romance, 1960), Angústia para o Jantar (romance, 1961), E se for Rapariga Chama-se Custódia (novela, 1966). Teatro: Felizmente Há Luar (1961), Todos os Anos, pela Primavera (1963), Auto da Barca do Motor fora da Borda (1966), A Guerra Santa (1967), A Estátua (1967), As Mãos de Abraão Zacut (1968). A sua maior influência foi Berlott Brecht com o Teatro Épico que se debruça sobre o Homem, no seu constante devir - é uma luta permanente para transformar a sociedade. Para isso, usa a técnica da Distanciação Histórica e o realismo. É preciso procurar um facto histórico mais remoto e compará-lo com a realidade próxima que se quer denunciar. Ao criticar o passado, consegue transpor a mensagem para o presente, obtendo assim um paralelismo fiável. Os actores não interagem com o auditório. O papel deles é apresentar uma ideia e não criar empatia. Deste modo, atinge-se a lucidez e o público formula juízos de valor.
A Obra: Felizmente Há Luar!
Surgida no mesmo ano em que o Autor publicou o romance Angústia para o Jantar – mais tarde também adaptado ao teatro –, esta peça contribuiu para celebrizar Luís de Sttau Monteiro como dramaturgo, tendo sido bem recebida pela crítica do seu tempo.
Baseada na tentativa frustrada de revolta liberal em 1817, supostamente encabeçada por Gomes Freire de Andrade, Felizmente Há Luar! recria em dois actos a sequência de acontecimentos históricos que em Outubro desse ano levou à prisão e ao enforcamento de Gomes Freire pelo regime de Beresford, com o apoio da Igreja, sublinhando um apelo épico (e ético) politicamente empenhado e legível à luz do que era Portugal nos anos 60.
Chamando a atenção para a injustiça da repressão e das perseguições políticas, a peça – designada por "apoteose trágica" pelo Autor – esteve proibida até 1974 e foi pela primeira vez levada à cena apenas em 1978, no Teatro Nacional, numa encenação do próprio Sttau Monteiro.
O Carácter épico da peça/Distanciação histórica (técnica realista; influência de Brecht)
Felizmente Há Luar! é um drama narrativo, de carácter social, dentro dos princípios do teatro épico. Na linha do teatro de Brecht, exprime a revolta contra o poder e a convicção de que é necessário mostrar o mundo e o homem em constante devir. Defende as capacidades do homem que tem o direito e o dever de transformar o mundo em que vive. Por isso, oferece-nos uma análise crítica da sociedade, procurando mostrar a realidade em vez de a representar, para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar posição.
O teatro é encarado como uma forma de análise das transformações sociais que ocorrem ao longo dos tempos e, simultaneamente, como um elemento de construção da sociedade. A ruptura com a concepção tradicional da essência do teatro é evidente: o drama já não se destina a criar o terror e a piedade, isto é, já não é a função catártica, purificadora, realizada através das emoções, que está em causa, pela identificação do espectador com o herói da peça, mas a capacidade crítica e analítica de quem observa. Brecht pretendia substituir "sentir" por "pensar".
Observando Felizmente Há Luar! verificamos que são estes também os objectivos de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado (movimento liberal oitocentista em Portugal), usando-as como pretexto para falar do presente (ditadura nos anos 60 do século XX) e assim pôr em evidência a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a traição, a injustiça e todas as formas de perseguição.
"Trágica apoteose" da história do movimento liberal oitocentista
Felizmente Há Luar! é uma "trágica apoteose" da história do movimento liberal oitocentista, interpretando as condições da sociedade portuguesa no início do século XIX e a revolta dos mais esclarecidos, muitas vezes organizados em sociedades secretas, contra o poder absolutista e tirânico dos governadores e do generalíssimo Beresford. Como afirma Luciana Stegagno Picchio, é retratada a conspiração, encabeçada por Gomes Freire de Andrade, que se manifestava contrária à presença inglesa ("Manuel – Vê-se a gente livre dos Franceses e zás!, cai na mão dos Ingleses!"), na pessoa de Beresford, e à ausência da corte no Brasil. Coloca-se em destaque ao longo de toda a peça a situação do povo oprimido, as Invasões Francesas, a "protecção" britânica, iniciada após a retirada do rei D. João VI para o Brasil, e a falta de perspectivas para o futuro.
Para que o movimento liberal se concretize, é necessária a morte de Gomes Freire, dos seus companheiros e também de muitos outros portugueses, que em nome dos seus ideais são sacrificados pela pátria. Conspiradores e traidores para o poder e para as classes dominantes, que sentem os seus privilégios ameaçados, são os grandes heróis de que o povo necessita para reclamar a justiça. Por isso, as suas mortes, em vez de amedrontar, tornam-se num estímulo. A fogueira acesa na noite para queimar Gomes Freire, que os governadores querem que seja dissuasora, torna-se na luz para que os oprimidos e injustiçados lutem pela liberdade. Na altura da execução, as últimas palavras de Matilde, "companheira de todas as horas" do general Gomes Freire, são de coragem e estímulo para que o Povo se revolte contra a tirania dos governantes: ("Matilde – Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos ensina! / Até a noite foi feita para que a vísseis até ao fim…/ (Pausa) Felizmente – felizmente há luar!").
O Paralelismo passado/condições históricas dos anos 60: denúncia da violência
Felizmente Há Luar! tem como cenário o ambiente político dos inícios do século XIX: em 1817, uma conspiração, encabeçada por Gomes Freire de Andrade, que pretendia o regresso do Brasil do rei D. João VI e que se manifestava contrária à presença inglesa, foi descoberta e reprimida com muita severidade: os conspiradores, acusados de traição à pátria, foram queimados publicamente e Lisboa foi convidada a assistir.
Luís de Sttau Monteiro marca uma posição, pelo conteúdo fortemente ideológico, e denuncia a opressão vivida na época em que escreve a obra, em 1961, precisamente sob a ditadura de Salazar.
O recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no século XIX em que decorre a acção permitiu-lhe, assim, colocar também em destaque as injustiças do seu tempo e a necessidade de lutar pela liberdade.
Em Felizmente Há Luar! percebe-se, facilmente, que a História serve de pretexto para uma reflexão sobre os anos 60, do século XX. Sttau Monteiro, também ele perseguido pela PIDE, denuncia assim a situação portuguesa, durante o regime de Salazar, interpretando as condições históricas que mais tarde contribuíram para a Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974. Tal como a conspiração de 1817, em vez de desaparecer com medo dos opressores permitiu o triunfo do liberalismo, também a oposição ao regime vigente nos anos 60, em vez de ceder perante a ameaça e a mordaça, resistiu e levou à implantação da democracia.
Em Síntese:
Tempo da História
(século XIX – 1817)
- agitação social que levou à revolta
liberal de 1820 – conspirações internas;
revolta contra a presença da Corte no Brasil e influência do exército britânico
- regime absolutista e tirânico
- classes sociais fortemente hierarquizadas
- classes dominantes com medo de perder privilégios
- povo oprimido e resignado
- a “miséria, o medo e a ignorância”
- obscurantismo, mas “felizmente há luar”
- luta contra a opressão do regime absolutista
- Manuel, “o mais consciente dos populares”, denuncia a opressão e a miséria
- perseguições dos agentes de Beresford
- as denúncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento que, hipócritas e sem escrúpulos, denunciam
- censura
- severa repressão dos conspiradores
- processos sumários e pena de morte
- execução do General Gomes Freire Tempo da escrita
(século XX – 1961)
- agitação social dos anos 60 – conspirações internas; principal irrupção da guerra colonial
- regime ditatorial de Salazar
- maior desigualdade entre abastados e pobres
- classes exploradas, com reforço do seu poder
- povo reprimido e explorado
- miséria, medo e analfabetismo
- obscurantismo, mas crença nas mudanças
- luta contra o regime totalitário e ditatorial
- agitação social e política com militares antifascistas a protestarem
- Perseguições da PIDE
- denúncias dos chamados “bufos”, que surgem na sombra e se disfarçam, para colher informações e denunciar
- censura à imprensa
- prisão e duras medidas de repressão e de tortura
- condenação em processos sem provas
O Contexto histórico
Revolução Francesa de 1789 e invasões napoleónicas levam Portugal à indecisão entre os aliados e os franceses. Para evitar a rendição, D. João V foge para o Brasil. Depois da 1ª invasão, a corte pede a Inglaterra, um oficial para reorganizar o exército: MARECHAL BERESFORD
Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época em que escreve esta obra, isto é, em 1965, durante a ditadura de Salazar. Assim, o recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no início do século XIX, permitiu-lhe, também, colocar em destaque as injustiças do seu tempo.
A peça Felizmente há luar! é uma peça épica, inspirada na teoria marxista, que apela à reflexão, não só no quadro da representação, como também na sociedade em que se insere. O teatro de Brecht pretende representar o mundo e o homem em constante evolução de acordo com as relações sociais. Estas características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que pretendia despertar emoções, levando o espectador a identificar-se com o herói. O teatro moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se insere. Surge assim a técnica do distanciamento que propõe um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica possam fazer juízos de valor sobre o que está a ser representado. Luís Sttau Monteiro pretende, através da distanciação, envolver o espectador no julgamento da sociedade, tomando contacto com o sofrimento dos outros. Deste modo o espectador deve possuir um olhar crítico para melhor se aperceber de todas as formas de injustiça e opressões.
A didascália
Existem as didascálias normais, que se seguem ao texto, e as didascálias marginais, típicas do teatro de Brecht. Estas corroboram o distanciamento histórico.
A peça é rica em referências concretas (sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença, galhofa, adulação, desprezo, irritação – normalmente relacionadas com os opressores; tristeza, esperança, medo, desânimo – relacionadas com as personagens oprimidas).
As marcações são abundantes: tons de voz, movimentos, posições, cenários, gestos, vestuário, sons (o som dos tambores, o silêncio, a voz que fala antes de entrar no palco, um sino que toca a rebate, o murmúrio de vozes, o toque de uma campainha, o murmúrio da multidão) e efeitos de luz (o contraste entre a escuridão e a luz; os dois actos terminam em sombra, de acordo, aliás, com o desenlace trágico).
De realçar que a peça termina ao som de fanfarra ("Ouve-se ao longe uma fanfarronada que vai num crescendo de intensidade até cair o pano.") em oposição à luz ("Desaparece o clarão da fogueira."); no entanto, a escuridão não é total, porque "felizmente há luar".
Classificação da obra
Trata-se de um drama narrativo de carácter épico que retrata a trágica apoteose do movimento liberal oitocentista, em Portugal. Apresenta as condições da sociedade portuguesa do séc. XIX e a revolta dos mais esclarecidos, muitas vezes organizados em sociedades secretas. Segue a linha de Brecht e mostra o mundo e o homem em constante transformação; mostra a preocupação com o homem e o seu destino, a luta contra a miséria e a alienação e a denúncia da ausência de moral; alerta para a necessidade de uma sociedade solidária que permita a verdadeira realização do homem.
De acordo com Brecht, Sttau Monteiro proporciona uma análise crítica da sociedade, mostrando a realidade, do modo a levar os espectadores a reagir criticamente e a tomar uma posição.
Características da obra
- personagens psicologicamente densas e vivas
- comentários irónicos e mordazes
- denúncia da hipocrisia da sociedade
- defesa intransigente da justiça social
- teatro épico: oferece-nos uma análise crítica da sociedade, procurando mostrar a realidade em vez de a representar, para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar uma posição
- intemporalidade da peça remete-nos para a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a traição, a injustiça e todas as formas de perseguição
- preocupação com o homem e o seu destino
- luta contra a miséria e a alienação
- denuncia a ausência de moral
- alerta para a necessidade de uma superação com o surgimento de uma sociedade solidária que permitia a verdadeira realização do homem.
As personagens são psicologicamente densas, os comentários irónicos e mordazes e denuncia-se a hipocrisia da sociedade, a luta contra a miséria e a alienação, a preocupação com o Homem e o seu destino. Drama narrativo, de carácter social, na linha de Brecht (exprime a revolta contra o poder, o homem tem o direito e o dever de transformar a sociedade em que vive, com o objectivo de levar o espectador a reagir criticamente).
Brecht ("Estudos Sobre o Teatro"): propõe um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que se possam fazer juízos de valor.
Em Felizmente há Luar!, as personagens, o espaço e o tempo são trabalhados para que a "distanciação se concretize". Luta contra a tirania, opressão, traição, injustiça e todas as formas de perseguição. O dramaturgo através dos gestos, cenários, palavras e didascálias, leva o público a entender de forma clara a mensagem.
Linguagem e Estilo
Natural, viva e maleável, utilizada como marca caracterizadora e individualizadora de algumas personagens; frases em latim com conotação irónica por aparecerem aquando da condenação e da execução, frases incompletas por hesitação ou interrupção; marcas características do discurso oral e recurso frequente à ironia e sarcasmo. Existe uma enorme variedade de recursos estilísticos: (tomar especial atenção à ironia); as funções da linguagem predominantes são a apelativa (frase imperativa); informativa (frase declarativa); emotiva [frase exclamativa, reticências, anacoluto (frases interrompidas)].
Como drama narrativo, pressupõe uma acção apresentada ao espectador e com possibilidade de ser vivida por ele, mas, sobretudo, procura a sua conivência (cumplicidade) ou participação testemunhal.
O carácter narrativo é sinónimo de épico, ao contar determinados acontecimentos que devem ser interpretados, reflectidos e julgados pelo espectador, enquanto elemento da sociedade. Observando Felizmente há Luar, verificamos que são estes os objectivos de Luís de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado, usando-as como pretexto para falar do presente.
O teatro moderno, do qual faz parte esta obra, tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre acontecimentos passados e a tomar posições na sociedade em que se inserem, para tal é usada uma técnica realista/influência de Brecht – DISTANCIAÇÃO HISTÓRICA – isto é:
- o actor deve conseguir "afastar-se"da personagem
- o espectador deve conseguir "afastar-se" da história narrada
Esta técnica acaba por aproximar o actor e o espectador, de tal modo que ambos se distanciam da história narrada, podendo assim como pessoas reais fazerem os respectivos juízos ou criticas de forma precisa e consciente sobre o que se passa em palco.
Assim, Luís de Sttau Monteiro, através desta técnica, pretende levar o espectador a ter um olhar crítico para que se aperceber e criticar as injustiças e opressões.
As Personagens
É possível agrupar algumas personagens segundo as suas posições.
1. Os do Poder: D. Miguel Forjaz; Marechal Beresford e Principal Sousa
2. O Povo: Manuel (o mais consciente dos populares); Rita; O Antigo Soldado; Vicente
3. Os Delatores: Morais Sarmento; Andrade Corvo e Vicente
As individuais:
. Frei Diogo de Melo, o homem sério da Igreja
. António de Sousa Falcão, o amigo
. Matilde de Melo, a companheira de todas as horas
. General Gomes Freire de Andrade
Nota: Vicente é a única personagem que evolui na obra: começa como membro do povo e acaba no grupo dos delatores, elevado a chefe da polícia.
Manuel: representa o povo oprimido e esmagado. É lúcido e consciente. Usa uma linguagem popular que combina com o realismo da obra. Denuncia a opressão a que o povo está sujeito. É o mais consciente dos populares; é corajoso.
General Gomes Freire: Único, com valores, íntegro, politicamente liberal, igualitário. Protagonista, embora nunca apareça é evocado através da esperança do povo, das perseguições dos governadores e da revolta da sua mulher e amigos. É acusado de ser o grão-mestre da maçonaria, estrangeirado, soldado brilhante, idolatrado pelo povo. Acredita na justiça e luta pela liberdade. É apresentado como o defensor do povo oprimido; o herói (no entanto, ele acaba como o anti-herói, o herói falhado); símbolo de esperança de liberdade.
Vicente: desrespeita/ despreza o povo – FALSO HUMANITÁRIO; É contra o general; traidor, calculista; ambicioso, materialista; subtil, inteligente; egoísta. Sarcástico, demagogo, falso humanista, movido pelo interesse da recompensa material, hipócrita, despreza a sua origem e o seu passado; traidor; desleal; acaba por ser um delator que age dessa maneira porque está revoltado com a sua condição social (só desse modo pode ascender socialmente).
D. Miguel Forjaz: Anti-progressista/retrógrado; conservador; autoritário; medroso; sem escrúpulos/ mercenário; corrupto – deixa-se corromper e tenta corromper os outros; vê o liberalismo como anarquia e caos; acha-se superior – absolutista: “Um mundo em que não se distinga a olho nu um nobre de um popular não é mundo em que eu deseje viver”; falso demagogo “Deus, Pátria e Família”. Primo de Gomes Freire, assustado com as transformações que não deseja, corrompido pelo poder, vingativo, frio e calculista. Prepotente; autoritário; servil (porque se rebaixa aos outros).
Matilde de Melo: corajosa, exprime romanticamente o seu amor, reage violentamente perante o ódio e as injustiças, sincera, ora desanima, ora se enfurece, ora se revolta, mas luta sempre. Representa uma denúncia da hipocrisia do mundo e dos interesses que se instalam em volta do poder (faceta/discurso social); por outro lado, apresenta-se como mulher dedicada de Gomes Freire, que, numa situação crítica como esta, tem discursos tanto marcados pelo amor, como pelo ódio. É a força do segundo acto; está desesperada; luta por: lealdade, justiça, verdade; digna; apaixonada e devota a Gomes Freire; por vezes, parece um pouco alucinada; culta, vivida; forte, lutadora, destemida; inteligente; grande poder de Argumentação (ver discussão com Principal Sousa). Oscila entre dois pólos:
. uma mulher feminina, frágil, consumida pela angústia, a suplicar pelo amor da sua vida, não temendo sequer contrariar princípios.
. uma mulher forte, destemida, que acusa os males do seu povo e denuncia a corrupção e a falta de índole, a tirania.
“Cortam-se as árvores para não fazerem sombra aos arbustos!”
António Sousa Falcão: inseparável amigo, sofre junto de Matilde, assume as mesmas ideias que Gomes Freire, mas não teve a coragem do general. Representa a amizade e a fidelidade; é o único amigo de Gomes Freire de Andrade que aparece na peça; ele representa os poucos amigos que são capazes de lutar por uma causa e por um amigo nos momentos difíceis.
Frei Diogo: homem sério; representante do clero; honesto – é o contraposto do Principal Sousa. O lado bom da igreja; homem com compaixão; conforta Matilde; defende Gomes Freire – corrobora a sua inocência; opõe-se ao Principal Sousa
Delatores: mesquinhos; oportunistas; hipócritas.
MIGUEL FORJAZ, BERESFORD e PRINCIPAL SOUSA perseguem, prendem e mandam executar o General e restantes conspiradores na fogueira. Para eles, a execução à noite, constituía uma forma de avisar e dissuadir os outros revoltosos, mas para MATILDE era uma luz a seguir na luta pela liberdade.
Marechal Beresford: Mercenário; lúcido e consciente; mau soldado, mas bom estratega; pragmático; calculista “não é prudente ainda dizê-lo”; ardiloso – trama a confusão mas não a integra. Pautado pelo cinismo em relação aos portugueses, a Portugal e à sua situação; oportunista; autoritário; mas é bom militar; preocupa-se somente com a sua carreira e com dinheiro; ainda consegue ser minimamente franco e honesto, pois tem a coragem de dizer o que realmente quer, ao contrário dos dois governadores portugueses. É poderoso, interesseiro, calculista, trocista, sarcástico.
Principal Sousa: Corrompido pelo poder; deveria semear a paz e semeia o confronto; hipócrita; contra o liberalismo – odeia os franceses por causa das suas ideias; anti-progressista; cínico. Defende o obscurantismo, é deformado pelo fanatismo religioso; desonesto, corrompido pelo poder eclesiástico, odeia os franceses.
O Tempo
a) tempo histórico: século XIX
b) tempo da escrita: 1961, época dos conflitos entre a oposição e o regime salazarista
c) tempo da representação: 1h30m/2h
d) tempo da acção dramática: a acção está concentrada em 2 dias
e) tempo da narração: informações respeitantes a eventos não dramatizados, ocorridos no passado, mas importantes para o desenrolar da acção
O Espaço
espaço físico: a acção desenrola-se em diversos locais, exteriores e interiores, mas não há nas indicações cénicas referência a cenários diferentes
espaço social: meio social em que estão inseridas as personagens, havendo vários espaços sociais, distinguindo-se uns dos outros pelo vestuário e pela linguagem das várias personagens.
luz/sombra:
. A falta de luz no cenário (escuridão total) mostra o clima da época – o regime opressor, a ignorância do povo, a obscuridade.
. A intensa luminosidade no Manuel (primeira cena) corrobora a indicação inicial “Manuel, o mais consciente dos populares”. Luz é conhecimento, lucidez.
O Título
O título da peça aparece duas vezes ao longo da peça, ora inserido nas falas de um dos elementos do poder – D. Miguel – ora inserido na fala final de Matilde. Em primeiro lugar é curioso e simbólico o facto de o título coincidir com as palavras finais da obra, o que desde logo lhe confere circularidade.
1) página 131 – D. Miguel: salientando o efeito dissuasor das execuções, querendo que o castigo de Gomes Freire se torne num exemplo
2) página 140 – Matilde: na altura da execução são proferidas palavras de coragem e estímulo, para que o povo se revolte contra a tirania
Num primeiro momento, o título representa as trevas e o obscurantismo; num segundo momento, representa a caminhada da sociedade em busca da liberdade.
Como facilmente se constata a mesma frase é proferida por personagens pertencentes a mundos completamente opostos: D. Miguel, símbolo do poder, e Matilde, símbolo da resistência e do antipoder. Porém o sentido veiculado pelas mesmas palavras altera-se em virtude de uma afirmação dar lugar a uma eufórica exclamação
Para D. Miguel, o luar permitiria que as pessoas vissem mais facilmente o clarão da fogueira, isso faria com que elas ficassem atemorizadas e percebessem que aquele é o fim ultimo de quem afronta o regime. A fogueira teria um efeito dissuasor.
Para Matilde, estas palavras são fruto de um sofrimento interiorizado reflectido, são a esperança e o não conformismo nascidos após a revolta, a luz que vence as trevas, a vida que triunfa da morte. A luz do luar (liberdade) vencerá a escuridão da noite (opressão) e todos poderão contemplar, enfim, a injustiça que está a ser praticada e tirar dela ilações.
Há que imperiosamente lutar no presente pelo futuro e dizer não à opressão e falta de liberdade, há que seguir a luz redentora e trilhar um caminho novo.
Os Símbolos
A Moeda de cinco reis: símbolo do desrespeito que os mais poderosos mantinham para com o próximo, contrariando os mandamentos de Deus.
- a miséria do povo, a esmola
- o compromisso que o povo tem para com o General:
. É como uma medalha de honra para Matilde.
. É símbolo da fé que o povo tem no General.
. Mostra que povo não luta porque não pode.
- a traição da igreja (à semelhança de Judas, a igreja vende-se em nome do dinheiro e do poder)
A luz: como metáfora do conhecimento dos valores do futuro (igualdade, fraternidade e liberdade), que possibilita o progresso do mundo, vencendo a escuridão da noite (opressão, falta de liberdade e de esclarecimento), advém quer da fogueira quer do luar. Ambas são a certeza de que o bem e a justiça triunfarão, não obstante todo o sofrimento inerente a eles. Se a luz se encontra associada à vida, à saúde e à felicidade, a noite e as trevas relacionam-se com o mal, a infelicidade, o castigo, a perdição e a morte. A luz representa a esperança num momento trágico.
A Noite: mal, castigo, morte, símbolo do obscurantismo
A lua: simbolicamente, por estar privada de luz própria, na dependência do Sol e por atravessar fases, mudando de forma, representa: dependência, periodicidade. A luz da lua, devido aos ciclos lunares, também se associa à renovação. A luz do luar é a força extraordinária que permite o conhecimento e a lua poderá simbolizar a passagem da vida para a morte e vice-versa, o que aliás, se relaciona com a crença na vida para além da morte.
O luar: duas conotações: para os opressores, mais pessoas ficarão avisadas e para os oprimidos, mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade.
A Fogueira: D. Miguel Forjaz – ensinamento ao povo; Matilde – a chama mantém-se viva e a liberdade há-de chegar. O fogo é um elemento destruidor e ao mesmo tempo purificador e regenerador, sendo a purificação pela água complementada pela do fogo. Se no presente a fogueira se relaciona com a tristeza e escuridão, no futuro relacionar-se-á com esperança e liberdade.
- Por D. Miguel: símbolo de purificação, limpeza
. Quem não está connosco, está contra nós, é preciso afastar.
. Semelhança com a Santa Inquisição
- Por Matilde e Sousa Falcão:
. Profecia de mudança
. Purificação, redenção, chama da esperança
. Renascimento, advento
A Saia Verde: a saia encontra-se associada à felicidade e foi comprada numa terra de liberdade: Paris, no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas ("alegria no reencontro"); a saia é uma peça eminentemente feminina e o verde encontra-se destinado à esperança de que um dia se reponha a justiça. Sinal do amor verdadeiro e transformador, pois Matilde, vencendo aparentemente a dor e revolta iniciais, comunica aos outros esperança através desta simples peça de vestuário. O verde é a cor predominante na natureza e nos campos na Primavera, associando-se à força, à fertilidade e à esperança.
- Em vida:
. Esperança
. Liberdade - Paris, Revolução Francesa
. Pureza, Inocência - neve branca
- Após a Morte:
. A alegria do reencontro
. A esperança de que a morte do General não seja em vão
. A esperança da mudança
O Preto (luto) de Sousa Falcão:
- Luto por si mesmo
- Auto-recriminação por não ter tido a coragem do General
- Se ele partilhava os mesmos ideais que o General, deveria ter dado a cara e lutado com ele
- Arrepende-se da sua cobardia
“Há homens que obrigam todos os outros a reverem-se por dentro”
O Título: duas vezes mencionado, inserido nas falas das personagens (por D. Miguel, que salienta o efeito dissuasor das execuções e por Matilde, cujas palavras remetem para um estímulo para que o povo se revolte).
- Por D. Miguel:
. “Felizmente há luar” para se verem melhor as execuções e para que o medo conseguido seja maior a abranja mais pessoas.
. A Lua: monotonia, falta de liberdade de acção e expressão.
. Tal como a lua, os regimes déspotas só sobrevivem se os mais fortes estiverem controlados. Brilham com a luz dos outros.
- Por Matilde:
. O luar permite que mais gente veja a fogueira, mais gente vença o medo, mais gente se revolte e se una para mudar.
. O luar aumenta a amplitude da purificação. Mais irão percorrer em direcção à luz, à liberdade, ao conhecimento, à justiça, à democracia.
Os tambores: símbolo da repressão sempre presente.
A Interpretação dos símbolos
• A saia verde " A felicidade – a prenda comprada em Paris (terra da liberdade), no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas;" Ao escolher aquela saia para esperar o companheiro após a morte, destaca a "alegria" do reencontro ("agora que acabaram as batalhas, vem apertar-me contra o peito"). " A saia é uma peça eminentemente feminina e o verde está habitualmente conotado com tranquilidade e esperança, traduzindo uma sensação de repouso, envolvente e refrescante.
• O título/a luz/a noite/o luar - O título é duas vezes mencionado ao longo da peça, inserido nas falas das personagens: D. Miguel salienta o efeito dissuasor que aquelas execuções poderão exercer sobre todos os que discutem as ordens dos governadores: "Lisboa há-de cheirar toda a noite a carne assada. (…) Sempre que pensarem em discutir as nossas ordens, lembrar-se-ão do cheiro…"Logo de seguida afirma: «É verdade que a execução se prolongará pela noite, mas felizmente há luar…» - esta primeira referência ao título da peça, colocada na fala do governador, está relacionada com o desejo expresso de garantir a eficácia desta execução pública: a noite é mais assustadora, as chamas seriam visíveis de vários pontos da cidade e o luar atrairia as pessoas à rua para assistirem ao castigo, que se pretendia exemplar. Na altura da execução, as últimas palavras de Matilde, "companheira de todas as horas" do general Gomes Freire de Andrade, são de coragem e estímulo para que o povo se revolte contra a tirania dos governantes: "-Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos ensina! /Até a noite foi feita para que a vísseis até ao fim…/ (Pausa) / Felizmente – felizmente há luar!"Na peça, nestes dois momentos em que se faz referência directa ao título, a expressão "felizmente há luar" pode indiciar duas perspectivas de análise e de posicionamento das personagens: As forças das trevas, do obscurantismo, do anti-humanismo utilizam, paradoxalmente, o lume (fonte de luz e de calor) para "purificar a sociedade" (a Inquisição considerava a fogueira como fonte e forma de purificação); Se a luz é redentora, o luar poderá simbolizar a caminhada da sociedade em direcção à redenção, em busca da luz e da liberdade.
Assim, dado que o luar permite que as pessoas possam sair de suas casas (ajudando a vencer o medo e a insegurança na noite da cidade), quanto maior for a assistência isso significará:
- Para os opressores, que mais pessoas ficarão "avisadas" e o efeito dissuasor pretendido será maior;
- Para os oprimidos, que mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade.
• A fogueira/o lume - Após a prisão do general, num diálogo de "tom profético" e com "voz triste" (segundo a didascália), o Antigo Soldado, afirma: "Prenderam o general…Para nós, a noite ainda ficou mais escura…". A resposta ambígua do 1º Popular pode assumir também um carácter de profecia e de esperança: "É por pouco tempo, amigo. Espera pelo clarão das fogueiras…". Matilde, ao afirmar que aquela fogueira de S. Julião da Barra ainda havia de "incendiar esta terra!", mostra que a chama se mantém viva e que a liberdade há-de chegar.
A Relação entre a carga dramática de Matilde, o tempo da história e o tempo da escrita
Escrito no século XX, em pleno auge do regime ditatorial de Salazar, e remetido para o século XIX, em pleno regime déspota, Felizmente há luar mostra-nos, claramente a censura e a falta de liberdade de acção, pensamento e expressão que se viveu nestes dois tempos.
Matilde aparece como a força do segundo acto, carregada de emoção, provocando o clímax da história. É ela quem denuncia e quem se revolta contra o movimento castrador que se desenvolvia por todo o país, quem ousa enfrentar o poder absoluto em prol da liberdade, da mudança e da democracia. Usa frases simples, mas fortalecidas com grande energia, coragem e direcção: “Cortam-se as árvores para não fazerem sombra aos arbustos”. Mostra-nos que toda e qualquer ameaça ao poder conservador e unidireccional era, imediatamente, aniquilada.
Matilde oscila entre dois pólos: num é uma mulher frágil e comovida que luta exclusivamente pelo marido inocente, vítima dos interesses mais altos do reino; noutro é a mulher forte e destemida que grita as condições do povo, a podridão das relações da igreja, a falta de índole da nobreza e a ignorância do povo. No entanto, em ambos os casos é uma lutadora, ávida por justiça, que acorda o público/sociedade para a lástima de pessoas que governavam em Portugal. As crises são cíclicas. Foi no século XIX, foi no século XX e foi em muitas outras ocasiões anteriores porque o Homem é assim: não aprende.
A Sistematização das personagens e acção em Felizmente há luar!
Posições atitudes, pensamentos e ideais das personagens
Primeiro Acto de Felizmente Há Luar!
Situação: Gomes Freire encontra-se em sua casa, “para os lados do Rato”
O POVO: “O pano de fundo permanente” da peça
Manuel
Rita
Antigo Soldado
Outros populares (anónimos) Ø Lutam por uma sociedade mais justa e mais livre.
Ø Procuram alguém que os liberte da “protecção” dos ingleses e da tirania da regência.
Ø Consideram que o General é a única pessoa capaz de os libertar da opressão do regime vigente…
Ø Manifestam falta de esperança e desalento.
Ø Temem a repressão
OS TRAIDORES DO POVO
Vicente
Andrade Corvo
Morais Sarmento
Os dois polícias
Ø Assumem um papel hostil; são hipócritas e não têm escrúpulos.
Ø Denunciam a conjura.
Ø Contribuem para a prisão e posterior execução do General.
A ACÇÃO DE VICENTE
Provocador
Delator (“bufo”)
Espião
Acusador Ø Procura denegrir o prestígio de Gomes Freire.
Ø Ambicioso, esperando recompensa, denuncia o General a D. Miguel Forjaz.
Ø Vigia a casa do general Freire de Andrade.
Ø Confirma a existência de reuniões e indica o nome dos conspiradores.
O CONSELHO DE REGÊNCIA
D. Miguel Forjaz
Marechal Beresford
Principal de Sousa Ø Representante da nobreza.
Ø Representante do domínio britânico sobre o nosso país.
Ø Representante da influência da Igreja.
Ø Todos são hostis ao General Gomes Freire: receiam perder o seu status
O GENERAL GOMES FREIRE – personagem sempre presente, nas palavras e nos pensamentos de todos (povo, policiais e governadores – por razões diferentes) mas nunca aparece.
Segundo Acto de Felizmente Há Luar!
Situação: Gomes Freire está encarcerado no forte de S. Julião da Barra, no final, depois de esgotadas todas as tentativas para lhe alcançarem o perdão é executado e queimado.
O POVO: “Pano de fundo permanente” da peça
Manuel
Rita
Antigo Soldado
Outros populares Ø Desanimados, sentem que a luta está perdida e que a situação ainda é pior do que era antes.
Ø Manuel afirma: “Se tínhamos fome e esperança, ficamos só com fome…Se durante uns tempos, acreditámos em nós próprios, voltamos a não acreditar em nada…”
Ø Rita aconselha: “Nunca te metas nestas coisas, Manuel! Haja o que houver, nunca te metas com eles. Prefiro ver-te com fome, a perder-te”.
AS FORÇAS DA ORDEM
Dois Polícias Ø Assumem o papel de defensores da ordem pública, dispersando o povo: “Então vocês não sabem que estão proibidos os ajuntamentos?”
OS TRAIDORES DO POVO
Vicente Ø Como recompensa, assume novas funções de chefe de polícia.
Ø Imaginando-se nas suas futuras funções, afirma: “Os degraus da vida são logo esquecidos por quem sobe a escada…”
OS QUE TENTAM SALVAR O GENERAL
Matilde
Sousa Falcão
Frei Diogo Ø Tentam por todos os meios obter perdão para o general.
Ø Interpelam os Governadores para implorar e exigir o perdão do General.
Ø Revoltam-se contra a injustiça que está a ser cometida.
Ø Matilde, no final, demonstra esperança de que este será o primeiro passo para a alteração futura do regime opressivo.
Ø Permite distinguir as qualidades humanas do General e salva a face da Igreja…
O CONSELHO DE REGÊNCIA
Beresford
D. Miguel Forjaz
Principal de Sousa Ø Exibem o pior do seu carácter: ambição, prepotência, arrogância e oportunismo, hipocrisia, falta de sentimentos humanos, mediocridade.
Ø São intolerantes e inflexíveis perante os argumentos de Matilde.
Ø Pretendem amedrontar e dominar pelo medo e pelo terror da repressão.
Um Tema da nossa história
Luís de Sttau Monteiro publicou a sua obra Felizmente há Luar! em [1961], porém a censura não deixou subir à cena, o que só viria a acontecer em 1978, no Teatro Nacional, numa encenação do próprio autor. Trata-se de um drama narrativo, na linha do teatro brechtiano, o seu protagonista, o General Gomes Freire de Andrade, nunca aparece em cena, mas o seu calvário, da prisão à figueira, é retraçado através da perseguição que lhe movem os governadores do reino, da forçada resignação de um povo dominado pela "miséria, o medo e a ignorância", da revolta desesperada e impotente da mulher.
Felizmente Há Luar! aborda um tema da nossa história: A Conspiração de 1817. Esta obra apresenta dois tempos: o tempo da história e o tempo da escrita. O tempo da história é o século XIX (1817) época em que começa a desenhar-se a imposição do regime liberal, o tempo da escrita é o ano de 1961 (ano de convulsões de oposição ao regime salazarista).
Trata-se de uma peça épica, inspirada na teoria marxista, que apela à reflexão, não só no quadro da representação, como também na sociedade em que se insere. O teatro de Brecht pretende representar o mundo e o homem em constante evolução de acordo com as relações sociais. Estas características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que pretendia despertar emoções, levando o espectador a identificar-se com o herói. O teatro moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se insere. Surge assim a técnica do distanciamento que propõe um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica possam fazer juízos de valor sobre o que está a ser representado. Luís de Sttau Monteiro pretende através da distanciação, envolver o espectador no julgamento da sociedade, tomando contacto com o sofrimento dos outros. Deste modo o espectador deve possuir um olhar crítico para melhor se aperceber de todas as formas de injustiça e opressões.
Felizmente há Luar! é hoje um clássico da literatura dramática portuguesa. Com esta peça e o Render dos heróis de José Cardoso Pires, dá-se início a uma corrente de teatro narrativo de influência Brechtiana que na segunda metade do século XX veio a ter seguidores em Portugal, entre os quais se contam Romeu Correia, Bernardo Santareno, Fernando Luso Soares, Hélder Costa, etc. A partir da obra de Raul Brandão Vida e Morte de Gomes Freire, Luís de Sttau Monteiro mostra-nos o reino de Portugal sob o domínio dos ingleses que ocuparam o país, no seguimento da vitória sobre as invasões francesas. A ditadura de William Beresford, o "aliado"ocupante, serve a Sttau Monteiro para mostrar os mecanismos de denúncia e traição que os regimes ditatoriais sempre fomentam e assim aproximar aquele período do século XIX da ditadura de Salazar sob a qual viveu. A obra, escrita em 1961, aproxima Gomes Freire de Andrade de Humberto Delgado, candidato da oposição a Salazar, que, como o primeiro, acaba assassinado pelo regime a que se opôs. A peça faz assim, tal como o teatro fez sempre, uma transposição de tempos. Mostra-se o que se passou para que todos compreendamos melhor o que se passa. Assim fizeram os trágicos gregos indo buscar matéria à Guerra de Tróia e ao ciclo Tebano, assim fez Shakespeare indo estudar as crónicas dos antigos reis, assim fez Kleist, Victor Hugo, assim fez Brecht, Heiner Müller, etc, etc. No início, a peça mostra-nos o ambiente que precede a revolta que, a triunfar, trará de volta o rei D. João VI a Portugal e promulgará uma monarquia constitucional. Intrigas, denúncias, mas também o povo esperançado a avançar na sua luta. O ritmo é rápido, através do qual são apresentados os vários grupos sociais que estão em jogo e termina com a prisão de Gomes Freire de Andrade. Segue-se o desânimo geral devido à prisão do General. Tal como no tempo de Salazar, a polícia actua sobre os civis evitando que a revolta se propague. Matilde, a mulher de Gomes Freire de Andrade, personagem que embora tendo existido realmente, é na peça romantizada e enfatizada pelo autor que lhe confere o papel da corajosa protagonista que tudo arrisca para salvar o "seu herói" com quem partilhou amor, vida e convicções durante muitos anos. O ritmo deste acto é mais lento, mais trágico, mais belo. Tudo caminha para a fatalidade. O herói será sacrificado. No fim, só nos resta esperar que o heroísmo do grande patriota dê frutos e exemplo na resistência à tirania. No silêncio, o povo avança…
Há peças que marcam uma época. É o caso de Felizmente há luar! de Luís de Sttau Monteiro. Foi escrita nos anos de brasa que foram o início dos anos 60 e no rescaldo da burla eleitoral que entronizou o medíocre marinheiro Américo Tomás no posto de Presidente da República roubando ao povo português a sua indiscutível escolha, o general Humberto Delgado. A peça foi publicada e alcançou grande êxito, aliás previsível, dado o paralelismo entre a perseguição ao general Gomes Freire de Andrade e ao general que tinha entusiasmado o país anunciando que "obviamente" iria demitir o Presidente do Conselho se fosse eleito. Claro que a Censura proibiu a sua exibição e o autor passou a sofrer o anátema de ser anti-regime, venerado, atento e obrigado. A resposta de Sttau Monteiro foi clara e sem equívocos. Não perdeu a arma que era a sua pena e não abrandou a luta nem a coragem. E, por isso, teve a normal resposta do ditador Salazar: perseguições e prisão. É bom lembrar a acção exemplar deste género de intelectuais, hoje espécimen raro em Portugal e no mundo dito civilizado. Na linha de Zola, Romain Roland, Stefan Zweig e tantos outros, era um intelectual comprometido com o seu tempo.
Bibliografia:
Moreira, V. e Pimenta H., Dimensão Literária 12.º, Porto Editora;
Guerra, J.A.,Vieira J.A. Aula Viva 12.º, Porto Editora.
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sexta-feira, 13 de junho de 2014
“Felizmente Há Luar!”, de Luís de Sttau Monteiro
Contextualização
A história desta peça passa-se na época da revolução francesa de 1789.
As invasões francesas levaram Portugal à indecisão entre os aliados e os franceses. Para evitar a rendição, D. João V foge para o Brasil. Depois da primeira invasão, a corte pede auxílio a Inglaterra para reorganizar o exército. Estes enviam-nos o general Beresford.
Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época do regime salazarista através desta época particular da história. Assim, o recurso à distanciação histórica e à discrição das injustiças praticadas no inicio do século XIX, permitiu-lhe, também, colocar em destaque as injustiças do seu tempo, o abuso de poder do Estado Novo e as ameaças da PIDE, entre outras.
Carácter épico
Felizmente há luar é um drama narrativo, de carácter social, dentro dos princípios do teatro épico e inspirado na teoria marxista, que apela às reflexão, não só no quadro da representação, mas também na sociedade em que se insere.
De acordo com Brecht, Sttau Monteiro pretende representar o mundo e o homem em constante evolução de acordo com as relações sociais. Estas características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que pretendia despertar emoções, levando o público a identificar-se com o herói. O teatro moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se inserem. Surge, assim, a técnica do distanciamento que propõem um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica, possam fazer juízos de valor sobre o que se está a ser representado.
Desta forma, o teatro já não se destina a criar terror ou piedade, isto é, já não tem uma função purificadora, realizada através das emoções, tendo, então, uma capacidade crítica e analítica para quem o observa. Brecht pretendia substituir o “sentir” por “pensar”, levando o público a entender de forma clara a sua mensagem por meio de gestos, palavras, cenários, didascálicas e focos de luz.
Estes são, também, os objectivos de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado (movimento liberal oitocentista), usando-as como pretexto para falar do presente (ditadura salazarista) e, assim, pôr em evidência a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a injustiça e todas as formas de perseguição.
Objectivos (condensação do texto):
• Auto-representação das personagens e narrador
• Elementos técnicos não escondidos
• Muita luz (não há efeitos)
• Musica e cenários destroem a ilusão da realidade
• Efeito de conjunto (justaposição/montagem de episódios)
• História desenrola-se numa serie de situações separadas que começam e acabam em si mesmas
• Teatro deve fazer pensar e não provocar sensações – distanciamento
• Intenção de crítica social
• Concepção das personagens a partir da função social
• Vertente histórico-nararativa que impera
Paralelismo entre passado e as condições históricas dos anos 60: denúncia da violência
Século XIX – 1817 Século XX – anos 60
Agitação social que levou à revolta de 1820 Agitação social: conspirações internas; principal erupção da guerra colonial
Regime absolutista e tirano Regime ditatorial salazarista
Classes hierarquizadas, dominantes, com medo de perder privilégios Classes exploradas; desigualdade entre abastados e pobres
Povo oprimido e resignado Povo reprimido e explorado
Miséria, medo, ignorância, obscurantismo mas “felizmente há luar” Miséria, medo, analfabetismo, obscurantismo mas crença nas mudanças
Luta contra a opressão do regime Luta contra o regime totalitário e ditatorial
Perseguições dos agentes de Beresford Perseguições da PIDE
Denúncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento Denúncias dos “bufos”
Censura à imprensa Censura total
Repressão dos conspiradores; execução sumaria e pena de morte Prisão; duras medidas de repressão e tortura; condenação sem provas
Execução de Gomes Freire Execução de Humberto Delgado
Revolução de 1820 Revolução do 25 de Abril de 1974
Personagens
Há três grupos importantes de personagens no poema:
1. Povo
Rita, Antigo Soldado, Populares
• Personagens colectivas
• Representam o analfabetismo e a miséria
• Escravizados pela ignorância
• Não têm liberdade
• Desconfiam dos poderosos
• Sentem-se impotentes face à situação do país (não há eleições livres, etc.)
Manuel
• Denuncia a opressão
• Assume algum protagonismo por abrir os dois actos
• Simboliza o papel de impotência do povo
Matilde de Melo
• Personagem principal do acto II
• Companheira de todas as horas de Gomes Freire
• Forte, persistente, corajosa, inteligente, apaixonada
• Não desiste de lutar, defendendo sempre o marido
• Põe de lado a auto-estima (suplica pela vida do marido)
• Acusa o povo de cobardia mas depois compreende-o
• Personifica a dor das mães, irmãs, esposas dos presos políticos
• Voz da consciência junto dos governadores (obriga-os a confrontarem-se com os seus actos)
• Desmascara o Principal Sousa, que não segue os princípios da lei de Cristo
Sousa Falcão
• Amigo de Gomes Freire e Matilde
• Partilha das mesmas ideias de Gomes Freire mas não teve a sua coragem
• Auto-incimina-se por isso
• Medroso
2. Delatores
Representam os “bufos” do regime salazarista.
Vicente
• É do povo mas trai-o para subir na vida
• Tem vergonha do seu nascimento, da sua condição social
• Faz o que for preciso para ganhar um cargo na polícia
• Demagogo, hipócrita, traidor, desleal e sarcástico
• Falso humanitário
• Movido pelo interesse da recompensa
• Adulador do momento
Andrade Corvo e Morais Sarmento
• Querem ganhar dinheiro a todo o custo
• Funcionam como “bufos” também pelo medo que têm das consequências de estar contra o governo
• Mesquinhos, oportunistas e hipócritas
3. Governadores
Representam o poder político e são o cérebro da conjura que acusa Gomes Freire de traição ao país; não querem perder o seu estatuto; são fracos, mesquinhos e vis; cada um simboliza um poder e diferentes interesses; desejam permanecer no poder a todo o custo
Beresford
• Representa o poder militar
• Tem um sentimento de superioridade em relação aos portugueses e a Portugal
• Ridiculariza o nosso povo, a vida do nosso país e a atrofia de almas
• Odeia Portugal
• Está sempre a provocar o Principal Sousa
• Não é melhor que aqueles que critica mas é sincero ao dizer que está no poder só pelo seu cargo que lhe dá muito dinheiro
• Tem medo de Gomes Freire (pode-lhe tirar o lugar)
• Oportunista, severo, disciplinar, autoritário e mercenário
• Bom militar, mau oficial
Principal Sousa
• É demagogo e hipócrita
• Não hesita em condenar inocentes
• Representa o poder clerical/Igreja
• Representa o poder da Igreja que interfere nos negócios do estado
• Não segue a doutrina da Igreja para poder conservar a sua posição
• Não tem argumentos face ao desmascarar que sofre de Matilde
• Tem problemas de consciência em condenar um inocente mas não ousa intervir para não perder a sua posição confortável no governo
• Fanático religioso
• Corrompido pelo poder eclesiástico
• Desonesto
• Odeia os franceses
• Defende o obscurantismo
D. Miguel Forjaz
• Representa o poder político e a burguesia dominadora
• Quer manter-se no poder pelo seu poder político-económico
• Personifica Salazar
• Prepotente, autoritário, calculista, servil, vingativo e frio
• Corrompido pelo poder
• Primo de Gomes Freire
Gomes Freire de Andrade
• Representa Humberto Delgado
• Personagem virtual/central
• Sempre presente nas palavras das outras personagens
• Caracterizado pelo Antigo Soldado, por Manuel, por D. Miguel e por Beresford
• Idolatrado pelo povo
• Acredita na justiça e na luta pela liberdade
• Soldado brilhante
• Estrangeirado
• Símbolo da esperança e da liberdade
Polícias: representam a PIDE
Frei Diogo de Melo: representam a Igreja consciente da situação do país...
Tempo
Tempo histórico ou tempo real (século XIX - 1817)
• Invasões francesas (desde 1807): rei no Brasil
• Ajuda pedida aos ingleses (Beresford)
• Regime absolutista
• Situação económica portuguesa má: dinheiro ia para a corte no Brasil
• Regência, influenciada por Beresford (símbolo do poder britânico em Portugal)
• Primeiros movimentos liberais (1817), com a conspiração abortada de Gomes Freire
• 25 De Maio de 1817 – prisão de Gomes Freire; 18 de Outubro de 1817 – enforcado, datas condensadas em dois dias na peça (tempo de acção dramática)
• Governadores viam na revolução a destruição da estrutura tradicional do Reino e a supressão dos privilégios das classes favorecidas
• O povo via na revolução a solução para a situação em que se encontrava
• Revolução liberal de 1820
• Implantação do liberalismo em 1834, com o acordo de Évora-Monte
Tempo metafórico ou tempo da escrita (século XX - 1961)
• Permanentemente presente (implícito)
• Época conturbada em 1961: guerra colonial angolana; greves; movimentos estudantis; pequenas “guerrilhas” internas; crescente aparecimento de movimentos de opinião organizados; oposição política
• Situação política, social e económica de desagrado geral
• Regime ditatorial salazarista: desigualdade entre abastados e pobres muito grande; povo reprimido e explorado; miséria, medo; analfabetismo e obscurantismo
• PIDE, “bufos”; censura; medidas de repressão/tortura e condenação sem provas
• Sttau Monteiro evoca situações e personagens do passado como pretexto para falar do presente
• Grande dualidade de conceitos entre os dois tempos: Gomes Freire é Humberto Delgado; os governadores três são o regime salazarista; Vicente e os delatores são os “bufos”; os homens de Beresford são a PIDE…
Estrutura
A acção da peça está dividida em dois actos (estrutura externa), o primeiro com onze sequências e o segundo com treze (estrutura interna). No acto I trama-se a morte de Gomes Freire; no acto II põe-se em prática o plano do acto I.
Os símbolos
• Saia verde: comprada em Paris, no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas. “Alegria no reencontro”; a saia é uma peça eminentemente feminina e o verde encontra-se destinado à esperança
• Título: duas vezes mencionado inserido nas falas das personagens (por D. Miguel, que salienta o efeito dissuador das execuções e por Matilde, cujas palavras remetem para um estímulo para que o povo de revolte)
• Luz: vida, saúde e felicidade
• Noite: mal, castigo, morte
• Lua: simbolicamente, por estar privada de luz própria, na dependência do Sol e por atravessar fases, mudando de forma, representa: dependência, periocidade, renovação
• Luar: duas conotações: para os opressores, mais pessoas ficarão avisadas e para os oprimidos, mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade
• Fogueira: D. Miguel Forjaz – ensinamento ao povo; Matilde – a chama mantém-se viva e a liberdade há-de chegar
• Titulo: D. Miguel: salientando o efeito dissuasor das execuções, querendo que o castigo de Gomes Freire se torne num exemplo; representa as trevas e o obscurantismo (Página 131); Matilde: na altura da execução são proferidas palavras de coragem e estímulo, para que o povo se revolte contra a tirania; representa a caminhada da sociedade em busca da liberdade (Página 140)
• Moeda de 5 reis: símbolo de desrespeito que os mais poderosos mantinham para com o próximo, contrariando os mandamentos de Deus
• Tambores: símbolos da repressão
Espaço
• Espaço físico: a acção desenrola-se em diversos locais, exteriores e interiores, mas não há nas indicações cénicas como referência a cenários diferentes
• Espaço social: meio social em que estão inseridas as personagens, havendo vários espaços sociais, distinguindo-se uns dos outros pelo vestuário e pela linguagem das várias personagens
Linguagem e estilo
• Recursos estilísticos: enorme variedade (tomar espacial atenção à ironia)
• Funções da linguagem: apelativa (frase imperativa); informativa (frase declarativa); emotiva [frase exclamativa, reticências, anacoluto (frases interrompidas)]; metalinguística
• Marcas da linguagem e estilo: provérbios, expressões populares, frases sentenciosas
• Texto principal: As falas das personagens
• Texto secundário: as didascálias/indicações cénicas (têm um papel crucial na peça)
A didascália
A peça é rica em referências concretas (sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença, galhofa, adulação, desprezo, irritação – relacionadas com os opressores; tristeza, esperança, medo, desânimo – relacionadas com os oprimidos). As marcações são abundantes: tons de voz, movimentos, posições, cenários, gestos, vestuário, sons (tambores, silêncio, voz que fala antes de entrar no palco, sino que toca a rebate, murmúrio de vozes, toque duma campainha) e efeitos de luz (contraste entre a escuridão e a luz; os dois actos terminam em sombra). De realçar que a peça termina ao som de fanfarra (“Ouve-se ao longe uma fanfarronada que vai num crescendo de intensidade até cair o pano.”) em oposição à luz (“Desaparece o clarão da fogueira.”); no entanto, a escuridão não é total, porque “felizmente há luar”.
Contextualização
A história desta peça passa-se na época da revolução francesa de 1789.
As invasões francesas levaram Portugal à indecisão entre os aliados e os franceses. Para evitar a rendição, D. João V foge para o Brasil. Depois da primeira invasão, a corte pede auxílio a Inglaterra para reorganizar o exército. Estes enviam-nos o general Beresford.
Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época do regime salazarista através desta época particular da história. Assim, o recurso à distanciação histórica e à discrição das injustiças praticadas no inicio do século XIX, permitiu-lhe, também, colocar em destaque as injustiças do seu tempo, o abuso de poder do Estado Novo e as ameaças da PIDE, entre outras.
Carácter épico
Felizmente há luar é um drama narrativo, de carácter social, dentro dos princípios do teatro épico e inspirado na teoria marxista, que apela às reflexão, não só no quadro da representação, mas também na sociedade em que se insere.
De acordo com Brecht, Sttau Monteiro pretende representar o mundo e o homem em constante evolução de acordo com as relações sociais. Estas características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que pretendia despertar emoções, levando o público a identificar-se com o herói. O teatro moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se inserem. Surge, assim, a técnica do distanciamento que propõem um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica, possam fazer juízos de valor sobre o que se está a ser representado.
Desta forma, o teatro já não se destina a criar terror ou piedade, isto é, já não tem uma função purificadora, realizada através das emoções, tendo, então, uma capacidade crítica e analítica para quem o observa. Brecht pretendia substituir o “sentir” por “pensar”, levando o público a entender de forma clara a sua mensagem por meio de gestos, palavras, cenários, didascálicas e focos de luz.
Estes são, também, os objectivos de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado (movimento liberal oitocentista), usando-as como pretexto para falar do presente (ditadura salazarista) e, assim, pôr em evidência a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a injustiça e todas as formas de perseguição.
Objectivos (condensação do texto):
• Auto-representação das personagens e narrador
• Elementos técnicos não escondidos
• Muita luz (não há efeitos)
• Musica e cenários destroem a ilusão da realidade
• Efeito de conjunto (justaposição/montagem de episódios)
• História desenrola-se numa serie de situações separadas que começam e acabam em si mesmas
• Teatro deve fazer pensar e não provocar sensações – distanciamento
• Intenção de crítica social
• Concepção das personagens a partir da função social
• Vertente histórico-nararativa que impera
Paralelismo entre passado e as condições históricas dos anos 60: denúncia da violência
Século XIX – 1817 Século XX – anos 60
Agitação social que levou à revolta de 1820 Agitação social: conspirações internas; principal erupção da guerra colonial
Regime absolutista e tirano Regime ditatorial salazarista
Classes hierarquizadas, dominantes, com medo de perder privilégios Classes exploradas; desigualdade entre abastados e pobres
Povo oprimido e resignado Povo reprimido e explorado
Miséria, medo, ignorância, obscurantismo mas “felizmente há luar” Miséria, medo, analfabetismo, obscurantismo mas crença nas mudanças
Luta contra a opressão do regime Luta contra o regime totalitário e ditatorial
Perseguições dos agentes de Beresford Perseguições da PIDE
Denúncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento Denúncias dos “bufos”
Censura à imprensa Censura total
Repressão dos conspiradores; execução sumaria e pena de morte Prisão; duras medidas de repressão e tortura; condenação sem provas
Execução de Gomes Freire Execução de Humberto Delgado
Revolução de 1820 Revolução do 25 de Abril de 1974
Personagens
Há três grupos importantes de personagens no poema:
1. Povo
Rita, Antigo Soldado, Populares
• Personagens colectivas
• Representam o analfabetismo e a miséria
• Escravizados pela ignorância
• Não têm liberdade
• Desconfiam dos poderosos
• Sentem-se impotentes face à situação do país (não há eleições livres, etc.)
Manuel
• Denuncia a opressão
• Assume algum protagonismo por abrir os dois actos
• Simboliza o papel de impotência do povo
Matilde de Melo
• Personagem principal do acto II
• Companheira de todas as horas de Gomes Freire
• Forte, persistente, corajosa, inteligente, apaixonada
• Não desiste de lutar, defendendo sempre o marido
• Põe de lado a auto-estima (suplica pela vida do marido)
• Acusa o povo de cobardia mas depois compreende-o
• Personifica a dor das mães, irmãs, esposas dos presos políticos
• Voz da consciência junto dos governadores (obriga-os a confrontarem-se com os seus actos)
• Desmascara o Principal Sousa, que não segue os princípios da lei de Cristo
Sousa Falcão
• Amigo de Gomes Freire e Matilde
• Partilha das mesmas ideias de Gomes Freire mas não teve a sua coragem
• Auto-incimina-se por isso
• Medroso
2. Delatores
Representam os “bufos” do regime salazarista.
Vicente
• É do povo mas trai-o para subir na vida
• Tem vergonha do seu nascimento, da sua condição social
• Faz o que for preciso para ganhar um cargo na polícia
• Demagogo, hipócrita, traidor, desleal e sarcástico
• Falso humanitário
• Movido pelo interesse da recompensa
• Adulador do momento
Andrade Corvo e Morais Sarmento
• Querem ganhar dinheiro a todo o custo
• Funcionam como “bufos” também pelo medo que têm das consequências de estar contra o governo
• Mesquinhos, oportunistas e hipócritas
3. Governadores
Representam o poder político e são o cérebro da conjura que acusa Gomes Freire de traição ao país; não querem perder o seu estatuto; são fracos, mesquinhos e vis; cada um simboliza um poder e diferentes interesses; desejam permanecer no poder a todo o custo
Beresford
• Representa o poder militar
• Tem um sentimento de superioridade em relação aos portugueses e a Portugal
• Ridiculariza o nosso povo, a vida do nosso país e a atrofia de almas
• Odeia Portugal
• Está sempre a provocar o Principal Sousa
• Não é melhor que aqueles que critica mas é sincero ao dizer que está no poder só pelo seu cargo que lhe dá muito dinheiro
• Tem medo de Gomes Freire (pode-lhe tirar o lugar)
• Oportunista, severo, disciplinar, autoritário e mercenário
• Bom militar, mau oficial
Principal Sousa
• É demagogo e hipócrita
• Não hesita em condenar inocentes
• Representa o poder clerical/Igreja
• Representa o poder da Igreja que interfere nos negócios do estado
• Não segue a doutrina da Igreja para poder conservar a sua posição
• Não tem argumentos face ao desmascarar que sofre de Matilde
• Tem problemas de consciência em condenar um inocente mas não ousa intervir para não perder a sua posição confortável no governo
• Fanático religioso
• Corrompido pelo poder eclesiástico
• Desonesto
• Odeia os franceses
• Defende o obscurantismo
D. Miguel Forjaz
• Representa o poder político e a burguesia dominadora
• Quer manter-se no poder pelo seu poder político-económico
• Personifica Salazar
• Prepotente, autoritário, calculista, servil, vingativo e frio
• Corrompido pelo poder
• Primo de Gomes Freire
Gomes Freire de Andrade
• Representa Humberto Delgado
• Personagem virtual/central
• Sempre presente nas palavras das outras personagens
• Caracterizado pelo Antigo Soldado, por Manuel, por D. Miguel e por Beresford
• Idolatrado pelo povo
• Acredita na justiça e na luta pela liberdade
• Soldado brilhante
• Estrangeirado
• Símbolo da esperança e da liberdade
Polícias: representam a PIDE
Frei Diogo de Melo: representam a Igreja consciente da situação do país...
Tempo
Tempo histórico ou tempo real (século XIX - 1817)
• Invasões francesas (desde 1807): rei no Brasil
• Ajuda pedida aos ingleses (Beresford)
• Regime absolutista
• Situação económica portuguesa má: dinheiro ia para a corte no Brasil
• Regência, influenciada por Beresford (símbolo do poder britânico em Portugal)
• Primeiros movimentos liberais (1817), com a conspiração abortada de Gomes Freire
• 25 De Maio de 1817 – prisão de Gomes Freire; 18 de Outubro de 1817 – enforcado, datas condensadas em dois dias na peça (tempo de acção dramática)
• Governadores viam na revolução a destruição da estrutura tradicional do Reino e a supressão dos privilégios das classes favorecidas
• O povo via na revolução a solução para a situação em que se encontrava
• Revolução liberal de 1820
• Implantação do liberalismo em 1834, com o acordo de Évora-Monte
Tempo metafórico ou tempo da escrita (século XX - 1961)
• Permanentemente presente (implícito)
• Época conturbada em 1961: guerra colonial angolana; greves; movimentos estudantis; pequenas “guerrilhas” internas; crescente aparecimento de movimentos de opinião organizados; oposição política
• Situação política, social e económica de desagrado geral
• Regime ditatorial salazarista: desigualdade entre abastados e pobres muito grande; povo reprimido e explorado; miséria, medo; analfabetismo e obscurantismo
• PIDE, “bufos”; censura; medidas de repressão/tortura e condenação sem provas
• Sttau Monteiro evoca situações e personagens do passado como pretexto para falar do presente
• Grande dualidade de conceitos entre os dois tempos: Gomes Freire é Humberto Delgado; os governadores três são o regime salazarista; Vicente e os delatores são os “bufos”; os homens de Beresford são a PIDE…
Estrutura
A acção da peça está dividida em dois actos (estrutura externa), o primeiro com onze sequências e o segundo com treze (estrutura interna). No acto I trama-se a morte de Gomes Freire; no acto II põe-se em prática o plano do acto I.
Os símbolos
• Saia verde: comprada em Paris, no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas. “Alegria no reencontro”; a saia é uma peça eminentemente feminina e o verde encontra-se destinado à esperança
• Título: duas vezes mencionado inserido nas falas das personagens (por D. Miguel, que salienta o efeito dissuador das execuções e por Matilde, cujas palavras remetem para um estímulo para que o povo de revolte)
• Luz: vida, saúde e felicidade
• Noite: mal, castigo, morte
• Lua: simbolicamente, por estar privada de luz própria, na dependência do Sol e por atravessar fases, mudando de forma, representa: dependência, periocidade, renovação
• Luar: duas conotações: para os opressores, mais pessoas ficarão avisadas e para os oprimidos, mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade
• Fogueira: D. Miguel Forjaz – ensinamento ao povo; Matilde – a chama mantém-se viva e a liberdade há-de chegar
• Titulo: D. Miguel: salientando o efeito dissuasor das execuções, querendo que o castigo de Gomes Freire se torne num exemplo; representa as trevas e o obscurantismo (Página 131); Matilde: na altura da execução são proferidas palavras de coragem e estímulo, para que o povo se revolte contra a tirania; representa a caminhada da sociedade em busca da liberdade (Página 140)
• Moeda de 5 reis: símbolo de desrespeito que os mais poderosos mantinham para com o próximo, contrariando os mandamentos de Deus
• Tambores: símbolos da repressão
Espaço
• Espaço físico: a acção desenrola-se em diversos locais, exteriores e interiores, mas não há nas indicações cénicas como referência a cenários diferentes
• Espaço social: meio social em que estão inseridas as personagens, havendo vários espaços sociais, distinguindo-se uns dos outros pelo vestuário e pela linguagem das várias personagens
Linguagem e estilo
• Recursos estilísticos: enorme variedade (tomar espacial atenção à ironia)
• Funções da linguagem: apelativa (frase imperativa); informativa (frase declarativa); emotiva [frase exclamativa, reticências, anacoluto (frases interrompidas)]; metalinguística
• Marcas da linguagem e estilo: provérbios, expressões populares, frases sentenciosas
• Texto principal: As falas das personagens
• Texto secundário: as didascálias/indicações cénicas (têm um papel crucial na peça)
A didascália
A peça é rica em referências concretas (sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença, galhofa, adulação, desprezo, irritação – relacionadas com os opressores; tristeza, esperança, medo, desânimo – relacionadas com os oprimidos). As marcações são abundantes: tons de voz, movimentos, posições, cenários, gestos, vestuário, sons (tambores, silêncio, voz que fala antes de entrar no palco, sino que toca a rebate, murmúrio de vozes, toque duma campainha) e efeitos de luz (contraste entre a escuridão e a luz; os dois actos terminam em sombra). De realçar que a peça termina ao som de fanfarra (“Ouve-se ao longe uma fanfarronada que vai num crescendo de intensidade até cair o pano.”) em oposição à luz (“Desaparece o clarão da fogueira.”); no entanto, a escuridão não é total, porque “felizmente há luar”.
Os Lusíadas e Mensagem
Semelhanças entre a Mensagem e Os Lusíadas. Parece simples dizer que são ambas semelhantes em propósito, como obras de exaltação nacional, mas essa simplicidade esconde – se quisermos procurar é claro – uma complexidade imensa. António Quadros, um estudioso de Pessoa diz da Mensagem que esta é um “poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética d’Os Lusíadas” (Fernando Pessoa, Vida, Personalidade e Génio, p. 249, Publi. D. Quixote). Será assim? O próprio Quadros mais à frente vai assumir que na realidade o que poderá ser confundido com nacionalismo, com exaltação dos valores do que constituiria a alma nacional portuguesa, acaba por não constituir o tema principal da obra de Pessoa.
Devemos ver as duas obras magnas da literatura poética portuguesa, Lusíadas e Mensagem, como obras situadas no início e no terminus do grande processo de dissolução do Império, como bem indica Jacinto do Prado Coelho «D’Os Lusíadas à Mensagem», in Actas do 1.º Congresso Internacional de Estudos Pessoanos; Brasília Editora; p. 307). O humanismo presente n’Os Lusíadas, que se traduz num povo escolhido por Deus para estender um império cristão para Sul, é o mesmo humanismo que traduzido no modernismo dos anos 30 do século XIX vê o homem como instrumento misterioso da mesma obra, embora enquanto homem solitário e já não tanto como povo. Mas uma diferença é crucial, como bem indica Prado Coelho: Camões exorta um D. Sebastião ainda vivo, ciente que está de um Império que embora em perigo pode ainda sobreviver e renovar-se, enquanto que Pessoa exorta um D. Sebastião morto, feito já mito e esperança. Seja como for, aqui também está uma semelhança fundamental: ambos os poemas não são saudosistas, mas sim exortativos, renovadores, impetuosamente corajosos. O que os distancia, aproxima-os, de certa maneira. Isto porque, se estudarmos mais fundo as motivações de ambos os poetas, encontraremos – pelo menos parecem ter encontrado os estudiosos – rios antigos com leitos misteriosos. Esses rios chamam-se Sebastianismo, Quinto Império, Mitogenia… De facto, mais do que apenas um império material, da conquista, do ouro e dos escravos, o Império significa tanto para Camões como para Pessoa, um desígnio maior, mais misterioso. O Quinto Império, noção nascida da Bíblia na famosa profecia de Daniel sobre o sonho de Nabucodonosor, é desenvolvida por eles, assim como por outro dos maiores vultos da cultura portuguesa de todos os tempos: o Padre António Vieira, na sua História do Futuro. A intervenção divina na história nacional é tão antiga como a própria nacionalidade e embora a ideia do Quinto Império seja ainda pouco clara em Camões, ela é já plena e poderosa em Pessoa. Se de facto D. Sebastião foi indigno da esperança que nele depositou Camões, esse é um facto posterior à própria obra, e não pode ser indicado como a afastando de um teor marcadamente Sebastianista.
Enquanto Os Lusíadas são a exortação pura, do D. Sebastião presente, da esperança na renovação do Império decadente, a Mensagem é a exortação do mito Sebastianista, do rei morto e agora feito apenas futuro. De facto, Pessoa na Mensagem analisa o mito, o mito extirpado de qualquer vestimenta material e humana (assim o diz: António Quadros, Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista, Guimarães Editores, p. 111). Para Pessoa, o Sebastianismo é a religião nacional, fundada num mito que nos é familiar, mais familiar do que o mito judeu do cristianismo. Quando Pessoa grita, no íntimo das suas observações perdidas na sua arca, diz “abandonemos Fátima por Trancoso”, Trancoso, terra do Bandarra, místico português, sapateiro de profissão, Nostradamus pobre e desconhecido da Europa, mas foco de uma esperança forte porque nossa, imensa porque nacional e redentora. E na realidade que Império era este que ainda se esperava, mas que nunca se concretizava? É o Império Espiritual, o Império que não da carne, mas do espírito. Relembre-se o canto I, 24, linhas finais: “Que por ele se esqueçam os humanos de Assírios, Persas; Gregos e Romanos”. Parece descobrir-se que afinal, a busca do Quinto Império, é a própria busca do superior patamar da alma portuguesa; eis porque no fim, Pessoa substitui o Cristo por D. Sebastião: “Que símbolo final mostra o sol já desperto? Na cruz morta e fatal a Rosa do Encoberto” (in Mensagem). O encoberto, figura agora mítica, por encarnar num redentor, que Pessoa por um tempo pensou ser Sidónio Pais, presidente da primeira república, depois ele-mesmo Fernando Pessoa, como o Super-Camões impulsionador do Império Cultural (relembre-se que Pessoa fala desta figura, do Super-Camões nos seus primeiros artigos para revistas, Circa 1912). Depois ter-lhe-ão faltado as forças, e o Desejado fica o Desejado imaterial, por se realizar, senão em vagas orações sibilantes.
Regressando a Prado Coelho, vemos que o Sebastião de Camões é viril e aventureiro, á moda das histórias de cavalaria da época, do Amadis. O Sebastião de Pessoa é já o mito, despido de vestes humanas, humilhado, feito arrependimento e tortura do espírito. Eis por que a Mensagem seja talvez mais súplica do que Os Lusíadas, e por isso menos grandiosa, mais ocultista e hermética. Há esperança n’Os Lusíadas, utopia na Mensagem. Se é certo que Os Lusíadas não são meramente descritivos enquanto epopeia de feitos passados, pois na epopeia há uma análise e uma prognose, a Mensagem é ainda mais cerebral, mais simbólica, esguia e simbolista. Embora haja personagens na Mensagem, não os há como n’Os Lusíadas, porque o que importa na Mensagem é desenvolver um pensamento, uma ordem de pensar o futuro em função do passado (Pessoa censura isso mesmo a Camões). Se em passagens a Mensagem é também épica; relembrem-se o “Mar Português” ou o episódio do “Monstrengo”, que se opõem com sucesso ao “Adamastor” de Camões, nunca é despicienda em Pessoa a referência a personagens históricos. Nunca Pessoa os refere sem os enquadrar numa ordem superior de processos, num esquema maior, secreto, à maneira de um plano arquitectónico, tão ao gosto da simbologia franco-maçónica.
Prado Coelho conclui de maneira lapidar a sua análise, no estudo já referido: “Em contraste com o realismo d’Os Lusíadas (…) a Mensagem reage pela altiva rejeição a um «Real» oco, absurdo, intolerável, propondo-nos em seu lugar a única coisa que vale a pena: o imaginário” (p. 315). “Sem a loucura que é o homem mais que a besta sadia, cadáver adiado que procria?” (Mensagem).
Bibliografia breve:
António Quadros, Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista, Guimarães Editores
António Quadros, Fernando Pessoa; Vida, Personalidade e Génio, Publ. D. Quixote
Actas do 1.º Congresso Internacional de Estudos Pessoanos; Brasília Editora
Semelhanças entre a Mensagem e Os Lusíadas. Parece simples dizer que são ambas semelhantes em propósito, como obras de exaltação nacional, mas essa simplicidade esconde – se quisermos procurar é claro – uma complexidade imensa. António Quadros, um estudioso de Pessoa diz da Mensagem que esta é um “poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética d’Os Lusíadas” (Fernando Pessoa, Vida, Personalidade e Génio, p. 249, Publi. D. Quixote). Será assim? O próprio Quadros mais à frente vai assumir que na realidade o que poderá ser confundido com nacionalismo, com exaltação dos valores do que constituiria a alma nacional portuguesa, acaba por não constituir o tema principal da obra de Pessoa.
Devemos ver as duas obras magnas da literatura poética portuguesa, Lusíadas e Mensagem, como obras situadas no início e no terminus do grande processo de dissolução do Império, como bem indica Jacinto do Prado Coelho «D’Os Lusíadas à Mensagem», in Actas do 1.º Congresso Internacional de Estudos Pessoanos; Brasília Editora; p. 307). O humanismo presente n’Os Lusíadas, que se traduz num povo escolhido por Deus para estender um império cristão para Sul, é o mesmo humanismo que traduzido no modernismo dos anos 30 do século XIX vê o homem como instrumento misterioso da mesma obra, embora enquanto homem solitário e já não tanto como povo. Mas uma diferença é crucial, como bem indica Prado Coelho: Camões exorta um D. Sebastião ainda vivo, ciente que está de um Império que embora em perigo pode ainda sobreviver e renovar-se, enquanto que Pessoa exorta um D. Sebastião morto, feito já mito e esperança. Seja como for, aqui também está uma semelhança fundamental: ambos os poemas não são saudosistas, mas sim exortativos, renovadores, impetuosamente corajosos. O que os distancia, aproxima-os, de certa maneira. Isto porque, se estudarmos mais fundo as motivações de ambos os poetas, encontraremos – pelo menos parecem ter encontrado os estudiosos – rios antigos com leitos misteriosos. Esses rios chamam-se Sebastianismo, Quinto Império, Mitogenia… De facto, mais do que apenas um império material, da conquista, do ouro e dos escravos, o Império significa tanto para Camões como para Pessoa, um desígnio maior, mais misterioso. O Quinto Império, noção nascida da Bíblia na famosa profecia de Daniel sobre o sonho de Nabucodonosor, é desenvolvida por eles, assim como por outro dos maiores vultos da cultura portuguesa de todos os tempos: o Padre António Vieira, na sua História do Futuro. A intervenção divina na história nacional é tão antiga como a própria nacionalidade e embora a ideia do Quinto Império seja ainda pouco clara em Camões, ela é já plena e poderosa em Pessoa. Se de facto D. Sebastião foi indigno da esperança que nele depositou Camões, esse é um facto posterior à própria obra, e não pode ser indicado como a afastando de um teor marcadamente Sebastianista.
Enquanto Os Lusíadas são a exortação pura, do D. Sebastião presente, da esperança na renovação do Império decadente, a Mensagem é a exortação do mito Sebastianista, do rei morto e agora feito apenas futuro. De facto, Pessoa na Mensagem analisa o mito, o mito extirpado de qualquer vestimenta material e humana (assim o diz: António Quadros, Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista, Guimarães Editores, p. 111). Para Pessoa, o Sebastianismo é a religião nacional, fundada num mito que nos é familiar, mais familiar do que o mito judeu do cristianismo. Quando Pessoa grita, no íntimo das suas observações perdidas na sua arca, diz “abandonemos Fátima por Trancoso”, Trancoso, terra do Bandarra, místico português, sapateiro de profissão, Nostradamus pobre e desconhecido da Europa, mas foco de uma esperança forte porque nossa, imensa porque nacional e redentora. E na realidade que Império era este que ainda se esperava, mas que nunca se concretizava? É o Império Espiritual, o Império que não da carne, mas do espírito. Relembre-se o canto I, 24, linhas finais: “Que por ele se esqueçam os humanos de Assírios, Persas; Gregos e Romanos”. Parece descobrir-se que afinal, a busca do Quinto Império, é a própria busca do superior patamar da alma portuguesa; eis porque no fim, Pessoa substitui o Cristo por D. Sebastião: “Que símbolo final mostra o sol já desperto? Na cruz morta e fatal a Rosa do Encoberto” (in Mensagem). O encoberto, figura agora mítica, por encarnar num redentor, que Pessoa por um tempo pensou ser Sidónio Pais, presidente da primeira república, depois ele-mesmo Fernando Pessoa, como o Super-Camões impulsionador do Império Cultural (relembre-se que Pessoa fala desta figura, do Super-Camões nos seus primeiros artigos para revistas, Circa 1912). Depois ter-lhe-ão faltado as forças, e o Desejado fica o Desejado imaterial, por se realizar, senão em vagas orações sibilantes.
Regressando a Prado Coelho, vemos que o Sebastião de Camões é viril e aventureiro, á moda das histórias de cavalaria da época, do Amadis. O Sebastião de Pessoa é já o mito, despido de vestes humanas, humilhado, feito arrependimento e tortura do espírito. Eis por que a Mensagem seja talvez mais súplica do que Os Lusíadas, e por isso menos grandiosa, mais ocultista e hermética. Há esperança n’Os Lusíadas, utopia na Mensagem. Se é certo que Os Lusíadas não são meramente descritivos enquanto epopeia de feitos passados, pois na epopeia há uma análise e uma prognose, a Mensagem é ainda mais cerebral, mais simbólica, esguia e simbolista. Embora haja personagens na Mensagem, não os há como n’Os Lusíadas, porque o que importa na Mensagem é desenvolver um pensamento, uma ordem de pensar o futuro em função do passado (Pessoa censura isso mesmo a Camões). Se em passagens a Mensagem é também épica; relembrem-se o “Mar Português” ou o episódio do “Monstrengo”, que se opõem com sucesso ao “Adamastor” de Camões, nunca é despicienda em Pessoa a referência a personagens históricos. Nunca Pessoa os refere sem os enquadrar numa ordem superior de processos, num esquema maior, secreto, à maneira de um plano arquitectónico, tão ao gosto da simbologia franco-maçónica.
Prado Coelho conclui de maneira lapidar a sua análise, no estudo já referido: “Em contraste com o realismo d’Os Lusíadas (…) a Mensagem reage pela altiva rejeição a um «Real» oco, absurdo, intolerável, propondo-nos em seu lugar a única coisa que vale a pena: o imaginário” (p. 315). “Sem a loucura que é o homem mais que a besta sadia, cadáver adiado que procria?” (Mensagem).
Bibliografia breve:
António Quadros, Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista, Guimarães Editores
António Quadros, Fernando Pessoa; Vida, Personalidade e Génio, Publ. D. Quixote
Actas do 1.º Congresso Internacional de Estudos Pessoanos; Brasília Editora
Fernando Pessoa - Ortónimo
Pessoa foi um dos introdutores do Modernismo em Portugal. Pertencendo a uma época confusa e conturbada pela falta de inovação e criatividade, como foi o fim do século XIX e o princípio do século XX, Pessoa, juntamente com outros homens de letras, como Mário de Sá-Carneiro, fizeram no saudosismo a sua iniciação, mas rapidamente transitaram para o Modernismo com todas as influências das correntes estéticas e filosóficas europeias, chamadas “vanguardas”.
Na ânsia de divulgar as suas novas ideias, Pessoa e os seus companheiros criam a Revista “Orpheu”. É aqui que surgem os primeiros brados do Modernismo português, com a colaboração dos já mencionados. O Orpheu tem pouca duração e é seguido por outra revista “A Presença” que marca o segundo Modernismo, com José Régio, Miguel Torga...
Em Fernando Pessoa coexistem duas vertentes: a tradicional e a modernista. Algumas das suas composições seguem na continuidade do lirismo português, com marcas do saudosismo; outras iniciam o processo de ruptura, que se concretiza nos heterónimos ou nas experiências modernistas que vão desde o simbolismo ao pauísmo e interseccionismo, no Pessoa ortónimo.
A poesia do Ortónimo revela um drama de personalidade que o leva à dispersão, em relação ao real e a si mesmo, ou lhe provoca fragmentações. Daí a capacidade de despersonalização (a de ser múltiplo sem deixar de ser um), que leva o ortónimo a tentar atingir a finalidade da Arte, ou, como afirma, a simplesmente aumentar a autoconsciência humana. O poeta parte da realidade, mas distancia-se, graças à interacção entre a razão e a sensibilidade, para elaborar mentalmente a obra de arte.
Pessoa procura, através da fragmentação do eu, a totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o sentir. A fragmentação está evidente, por exemplo, em Meu coração é um pórtico partido, ou nos poemas interseccionistas Hora Absurda ou em Chuva Oblíqua. Aí se verifica uma intersecção de realidades físicas e psíquicas, de realidades interiores e exteriores: uma intersecção dos sonhos e das paisagens reais, do espiritual e do material; uma intersecção de tempos e de espaços, uma intersecção da horizontalidade com a verticalidade. O interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade são tentativas para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência. Daí a intelectualização do sentimento para exprimir a arte, que fundamenta o poeta fingidor.
A poesia de Pessoa ortónimo é a despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica com a própria criação poética, como impõe a modernidade. O poeta recorre à ironia para pôr tudo em causa, inclusive a própria sinceridade que, com o fingimento, possibilita a construção da arte.
Pessoa procura, através da fragmentação do eu, a totalidade que lhe permita conciliar o penar e o sentir. O interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade são tentativas para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência. Daí a intelectualização do sentimento para exprimir a arte, que fundamenta o poeta fingidor.
Com a sua capacidade de despersonalização (a de ser múltiplo sem deixar de ser um), o ortónimo tenta atingir a finalidade da Arte que é, como diz, simplesmente aumentar a autoconsciência humana.
Todo o saudosismo e a grande dose de sebastianismo que se encontram na Mensagem estão na linha da poesia tradicional portuguesa. Perpassa em alguns poemas desta obra um tom ao mesmo tempo saudosista, épico e messiânico. Fernando Pessoa concebeu, na Mensagem um Super-Portugal, em que ele próprio seria um super-Poeta. Não lhe falta uma certa dose de megalomania.
Uma das características fundamentais de Pessoa ortónimo é a ausência de sentimentalismo, sendo as suas emoções puras vibrações intelectuais. O saudosismo de Pessoa não é mais do que “vivência de estados imaginários”.
No Pessoa ortónimo, o ritmo alicia, as próprias vivências são por vezes de essência musical; instintiva ou calculadamente, de qualquer modo, apoiado à nossa melhor tradição lírica, Pessoa tira das combinações de sons efeitos muito felizes.
O processo é característico de Pessoa: primeiro a imagem-símbolo, depois a reflexão que lhe extrai sentido. O ritmo e a musicalidade, de harmonia com a nossa tradição lírica, são muito importantes na poesia de Pessoa (ortónimo).
Alguns Tópicos
- Na poesia do ortónimo coexistem a vertente tradicional - na continuidade do lirismo português, com marcas do saudosismo - e a modernista - num processo de ruptura, que se concretiza nos heterónimos ou nas experiências modernistas.
- A poesia, a cujo conjunto Pessoa queria dar o título Cancioneiro, é marcada pelo conflito entre o pensar e o sentir, ou entre a ambição da felicidade pura e a frustração que a consciência-de-si implica (ex: "Ela canta, pobre ceifeira").
- Pessoa procura, através da fragmentação do eu, a totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o sentir.
- O interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade surge como tentativa para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência.
- O ortónimo tem uma ascendência simbolista evidente desde os tempos de Orpheu e do Pauísmo (ex: Impressões do Crepúsculo).
- A poesia do ortónimo revela a despersonalização do poeta fingidor. O poeta recorre à ironia para pôr tudo em causa, inclusive a própria sinceridade que, com o fingimento, possibilita a construção da arte.
As temáticas:
- o sonho; a intersecção entre o sonho e a realidade (ex: “Chuva Oblíqua”);
- a angústia existencial e a nostalgia (do Eu, de um bem perdido, das imagens da infância...);
- a distância entre o idealizado e o realizado - e a consequente frustração ("Tudo o que faço ou medito");
- a máscara e o fingimento como elaboração mental dos conceitos que exprimem as emoções ou o que quer comunicar (ex: “Autopsicografia”);
- a intelectualização das emoções e dos sentimentos para elaboração da arte;
- o ocultismo e o hermetismo (ex: “Eros e Psique”);
- o sebastianismo (a que chamou o seu nacionalismo místico e a que deu forma no livro Mensagem);
- Tradução dos sentimentos na linguagem do leitor, pois o que se sente é incomunicável;
Pessoa foi um dos introdutores do Modernismo em Portugal. Pertencendo a uma época confusa e conturbada pela falta de inovação e criatividade, como foi o fim do século XIX e o princípio do século XX, Pessoa, juntamente com outros homens de letras, como Mário de Sá-Carneiro, fizeram no saudosismo a sua iniciação, mas rapidamente transitaram para o Modernismo com todas as influências das correntes estéticas e filosóficas europeias, chamadas “vanguardas”.
Na ânsia de divulgar as suas novas ideias, Pessoa e os seus companheiros criam a Revista “Orpheu”. É aqui que surgem os primeiros brados do Modernismo português, com a colaboração dos já mencionados. O Orpheu tem pouca duração e é seguido por outra revista “A Presença” que marca o segundo Modernismo, com José Régio, Miguel Torga...
Em Fernando Pessoa coexistem duas vertentes: a tradicional e a modernista. Algumas das suas composições seguem na continuidade do lirismo português, com marcas do saudosismo; outras iniciam o processo de ruptura, que se concretiza nos heterónimos ou nas experiências modernistas que vão desde o simbolismo ao pauísmo e interseccionismo, no Pessoa ortónimo.
A poesia do Ortónimo revela um drama de personalidade que o leva à dispersão, em relação ao real e a si mesmo, ou lhe provoca fragmentações. Daí a capacidade de despersonalização (a de ser múltiplo sem deixar de ser um), que leva o ortónimo a tentar atingir a finalidade da Arte, ou, como afirma, a simplesmente aumentar a autoconsciência humana. O poeta parte da realidade, mas distancia-se, graças à interacção entre a razão e a sensibilidade, para elaborar mentalmente a obra de arte.
Pessoa procura, através da fragmentação do eu, a totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o sentir. A fragmentação está evidente, por exemplo, em Meu coração é um pórtico partido, ou nos poemas interseccionistas Hora Absurda ou em Chuva Oblíqua. Aí se verifica uma intersecção de realidades físicas e psíquicas, de realidades interiores e exteriores: uma intersecção dos sonhos e das paisagens reais, do espiritual e do material; uma intersecção de tempos e de espaços, uma intersecção da horizontalidade com a verticalidade. O interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade são tentativas para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência. Daí a intelectualização do sentimento para exprimir a arte, que fundamenta o poeta fingidor.
A poesia de Pessoa ortónimo é a despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica com a própria criação poética, como impõe a modernidade. O poeta recorre à ironia para pôr tudo em causa, inclusive a própria sinceridade que, com o fingimento, possibilita a construção da arte.
Pessoa procura, através da fragmentação do eu, a totalidade que lhe permita conciliar o penar e o sentir. O interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade são tentativas para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência. Daí a intelectualização do sentimento para exprimir a arte, que fundamenta o poeta fingidor.
Com a sua capacidade de despersonalização (a de ser múltiplo sem deixar de ser um), o ortónimo tenta atingir a finalidade da Arte que é, como diz, simplesmente aumentar a autoconsciência humana.
Todo o saudosismo e a grande dose de sebastianismo que se encontram na Mensagem estão na linha da poesia tradicional portuguesa. Perpassa em alguns poemas desta obra um tom ao mesmo tempo saudosista, épico e messiânico. Fernando Pessoa concebeu, na Mensagem um Super-Portugal, em que ele próprio seria um super-Poeta. Não lhe falta uma certa dose de megalomania.
Uma das características fundamentais de Pessoa ortónimo é a ausência de sentimentalismo, sendo as suas emoções puras vibrações intelectuais. O saudosismo de Pessoa não é mais do que “vivência de estados imaginários”.
No Pessoa ortónimo, o ritmo alicia, as próprias vivências são por vezes de essência musical; instintiva ou calculadamente, de qualquer modo, apoiado à nossa melhor tradição lírica, Pessoa tira das combinações de sons efeitos muito felizes.
O processo é característico de Pessoa: primeiro a imagem-símbolo, depois a reflexão que lhe extrai sentido. O ritmo e a musicalidade, de harmonia com a nossa tradição lírica, são muito importantes na poesia de Pessoa (ortónimo).
Alguns Tópicos
- Na poesia do ortónimo coexistem a vertente tradicional - na continuidade do lirismo português, com marcas do saudosismo - e a modernista - num processo de ruptura, que se concretiza nos heterónimos ou nas experiências modernistas.
- A poesia, a cujo conjunto Pessoa queria dar o título Cancioneiro, é marcada pelo conflito entre o pensar e o sentir, ou entre a ambição da felicidade pura e a frustração que a consciência-de-si implica (ex: "Ela canta, pobre ceifeira").
- Pessoa procura, através da fragmentação do eu, a totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o sentir.
- O interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade surge como tentativa para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência.
- O ortónimo tem uma ascendência simbolista evidente desde os tempos de Orpheu e do Pauísmo (ex: Impressões do Crepúsculo).
- A poesia do ortónimo revela a despersonalização do poeta fingidor. O poeta recorre à ironia para pôr tudo em causa, inclusive a própria sinceridade que, com o fingimento, possibilita a construção da arte.
As temáticas:
- o sonho; a intersecção entre o sonho e a realidade (ex: “Chuva Oblíqua”);
- a angústia existencial e a nostalgia (do Eu, de um bem perdido, das imagens da infância...);
- a distância entre o idealizado e o realizado - e a consequente frustração ("Tudo o que faço ou medito");
- a máscara e o fingimento como elaboração mental dos conceitos que exprimem as emoções ou o que quer comunicar (ex: “Autopsicografia”);
- a intelectualização das emoções e dos sentimentos para elaboração da arte;
- o ocultismo e o hermetismo (ex: “Eros e Psique”);
- o sebastianismo (a que chamou o seu nacionalismo místico e a que deu forma no livro Mensagem);
- Tradução dos sentimentos na linguagem do leitor, pois o que se sente é incomunicável;
RICARDO REIS – O POETA DA RAZÃO
Trata-se de um poeta clássico, da serenidade epicurista, que aceita, com calma lucidez, a relatividade e a fugacidade de todas as coisas. Os poemas: “Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio” e “Prefiro rosas, meu amor, à pátria” são exemplo de que Ricardo Reis aceita a antiga crença nos deuses, enquanto disciplinadora das nossas emoções e sentimentos, mas defende sobretudo, a busca de uma felicidade relativa, alcançada pela indiferença à perturbação. A filosofia de Ricardo Reis é a de epicurista triste, pois defende o prazer do momento, o carpe diem, como caminho da felicidade, mas sem ceder aos impulsos dos instintos. Apesar do prazer que procura e da felicidade que deseja alcançar, considera que nunca se consegue a “ataraxia” (tranquilidade sem qualquer perturbação). Sente que tem de viver em conformidade com as leis do destino, indiferente à dor e ao desprazer, numa verdadeira ilusão da felicidade, conseguida pelo esforço estóico lúcido e disciplinado.
Ricardo Reis sabe que se encontra à mercê das leis do destino (estoicismo), que são indiferentes à dor ou ao desprazer, ou seja, o Homem tem o seu destino traçado e a ele não pode fugir. Reis, apreciador da cultura grega, sintetiza de forma original, duas filosofias: epicurismo e estoicismo.
Propõe uma filosofia moral que visa o aproveitamento da vida em cada dia, como caminho da felicidade, a busca da mesma com tranquilidade, o não ceder ao impulso dos instintos, a procura da calma (mesmo que seja ilusão). Ricardo Reis considerava o tempo efémero, finito, sendo apologista em relação à ideia de viver em equilíbrio. Em suma, era um poeta de ideias lúcidas e equilibradas.
A filosofia de Reis rege-se pelo ideal “Carpe Diem” – a sabedoria consiste em saber-se aproveitar o presente, porque se sabe que a vida é breve. Há que nos contentarmos com o que o destino nos trouxe. Há que viver com moderação, sem nos apegarmos às coisas, e por isso as paixões devem ser comedidas, para que a hora da morte não seja demasiado dolorosa.
- A concepção dos deuses como um ideal humano
- As referências aos deuses da Antiguidade (neopaganismo) greco-latina são uma forma de referir a primazia do corpo, das formas, da natureza, dos aspectos exteriores, da realidade, sem cuidar da subjectividade ou da interioridade - ensinamentos de Caeiro, o mestre de todos os heterónimos
- A recusa de envolvimento nas coisas do mundo e dos homens
Epicurismo - consiste na filosofia moral de Epicuro, que defendia o prazer como caminho da felicidade. Mas para que a satisfação dos desejos seja estável, sem desprazer ou dor, é necessário um estado de ataraxia, ou seja, de tranquilidade e sem qualquer perturbação. O poeta Horácio seguiu de perto este pensamento da defesa do prazer do momento, ao considerar o carpe diem (aproveita o dia) como necessário à felicidade.
Estoicismo - é uma corrente filosófica que considera ser possível encontrar a felicidade desde que se viva em conformidade com as leis do destino que regem o mundo, permanecendo indiferente aos males e ás paixões, que são perturbações da razão. O ideal é a apatia que se define como ausência de paixão e permite a liberdade, mm sendo escravo.
• Epicurismo
- busca da felicidade relativa
- moderação nos prazeres
- fuga à dor
- ataraxia (tranquilidade capaz de evitar a perturbação)
• Estoicismo
- aceitação das leis do destino (“... a vida/ passa e não fica, nada deixa e nunca regressa.”)
- indiferença face às paixões e à dor
- abdicação de lutar
- autodisciplina
• Horacianismo
- carpe diem: vive o momento
- aurea mediocritas: a felicidade possível no sossego do campo (proximidade de Caeiro)
• Paganismo
- crença nos deuses
- crença na civilização da Grécia
- sente-se um “estrangeiro” fora da sua pátria, a Grécia
• Culto do Belo, como forma de superar a efemeridade dos bens e a miséria da vida
• Intelectualização das emoções
• Medo da morte
• Quase ausência de erotismo, em contraste com o seu mestre Horácio • Neoclassicismo
- poesia construída com base em ideias elevada
- Odes (forma métrica por excelência)
CARACTERÍSTICAS ESTILÍSTICAS
- Submissão da expressão ao conteúdo: a uma ideia perfeita corresponde uma expressão perfeita
- Estrofes regulares de verso decassílabo alternadas ou não com hexassílabo
- Verso branco
- Recurso frequente à assonância, à rima interior e à aliteração
- Predomínio da subordinação - Uso frequente do hipérbato
- Uso frequente do gerúndio e do imperativo
- Uso de latinismos (astro, ínfero, insciente...)
- Metáforas, eufemismos, comparações, imagens
- Estilo construído com muito rigor e muito denso
Trata-se de um poeta clássico, da serenidade epicurista, que aceita, com calma lucidez, a relatividade e a fugacidade de todas as coisas. Os poemas: “Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio” e “Prefiro rosas, meu amor, à pátria” são exemplo de que Ricardo Reis aceita a antiga crença nos deuses, enquanto disciplinadora das nossas emoções e sentimentos, mas defende sobretudo, a busca de uma felicidade relativa, alcançada pela indiferença à perturbação. A filosofia de Ricardo Reis é a de epicurista triste, pois defende o prazer do momento, o carpe diem, como caminho da felicidade, mas sem ceder aos impulsos dos instintos. Apesar do prazer que procura e da felicidade que deseja alcançar, considera que nunca se consegue a “ataraxia” (tranquilidade sem qualquer perturbação). Sente que tem de viver em conformidade com as leis do destino, indiferente à dor e ao desprazer, numa verdadeira ilusão da felicidade, conseguida pelo esforço estóico lúcido e disciplinado.
Ricardo Reis sabe que se encontra à mercê das leis do destino (estoicismo), que são indiferentes à dor ou ao desprazer, ou seja, o Homem tem o seu destino traçado e a ele não pode fugir. Reis, apreciador da cultura grega, sintetiza de forma original, duas filosofias: epicurismo e estoicismo.
Propõe uma filosofia moral que visa o aproveitamento da vida em cada dia, como caminho da felicidade, a busca da mesma com tranquilidade, o não ceder ao impulso dos instintos, a procura da calma (mesmo que seja ilusão). Ricardo Reis considerava o tempo efémero, finito, sendo apologista em relação à ideia de viver em equilíbrio. Em suma, era um poeta de ideias lúcidas e equilibradas.
A filosofia de Reis rege-se pelo ideal “Carpe Diem” – a sabedoria consiste em saber-se aproveitar o presente, porque se sabe que a vida é breve. Há que nos contentarmos com o que o destino nos trouxe. Há que viver com moderação, sem nos apegarmos às coisas, e por isso as paixões devem ser comedidas, para que a hora da morte não seja demasiado dolorosa.
- A concepção dos deuses como um ideal humano
- As referências aos deuses da Antiguidade (neopaganismo) greco-latina são uma forma de referir a primazia do corpo, das formas, da natureza, dos aspectos exteriores, da realidade, sem cuidar da subjectividade ou da interioridade - ensinamentos de Caeiro, o mestre de todos os heterónimos
- A recusa de envolvimento nas coisas do mundo e dos homens
Epicurismo - consiste na filosofia moral de Epicuro, que defendia o prazer como caminho da felicidade. Mas para que a satisfação dos desejos seja estável, sem desprazer ou dor, é necessário um estado de ataraxia, ou seja, de tranquilidade e sem qualquer perturbação. O poeta Horácio seguiu de perto este pensamento da defesa do prazer do momento, ao considerar o carpe diem (aproveita o dia) como necessário à felicidade.
Estoicismo - é uma corrente filosófica que considera ser possível encontrar a felicidade desde que se viva em conformidade com as leis do destino que regem o mundo, permanecendo indiferente aos males e ás paixões, que são perturbações da razão. O ideal é a apatia que se define como ausência de paixão e permite a liberdade, mm sendo escravo.
• Epicurismo
- busca da felicidade relativa
- moderação nos prazeres
- fuga à dor
- ataraxia (tranquilidade capaz de evitar a perturbação)
• Estoicismo
- aceitação das leis do destino (“... a vida/ passa e não fica, nada deixa e nunca regressa.”)
- indiferença face às paixões e à dor
- abdicação de lutar
- autodisciplina
• Horacianismo
- carpe diem: vive o momento
- aurea mediocritas: a felicidade possível no sossego do campo (proximidade de Caeiro)
• Paganismo
- crença nos deuses
- crença na civilização da Grécia
- sente-se um “estrangeiro” fora da sua pátria, a Grécia
• Culto do Belo, como forma de superar a efemeridade dos bens e a miséria da vida
• Intelectualização das emoções
• Medo da morte
• Quase ausência de erotismo, em contraste com o seu mestre Horácio • Neoclassicismo
- poesia construída com base em ideias elevada
- Odes (forma métrica por excelência)
CARACTERÍSTICAS ESTILÍSTICAS
- Submissão da expressão ao conteúdo: a uma ideia perfeita corresponde uma expressão perfeita
- Estrofes regulares de verso decassílabo alternadas ou não com hexassílabo
- Verso branco
- Recurso frequente à assonância, à rima interior e à aliteração
- Predomínio da subordinação - Uso frequente do hipérbato
- Uso frequente do gerúndio e do imperativo
- Uso de latinismos (astro, ínfero, insciente...)
- Metáforas, eufemismos, comparações, imagens
- Estilo construído com muito rigor e muito denso
ÁLVARO DE CAMPOS – O ENGENHEIRO NAVAL
Para Álvaro de Campos a sensação é tudo. O sensacionismo torna a sensação a realidade da vida e a base de arte. O EU do poeta tenta integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou possibilidade de existir. Álvaro de Campos é quem melhor procura a totalização das sensações, mas sobretudo das percepções conforme as sente. O sensacionismo de Álvaro de Campos começa a premissa de que a única realidade é a sensação, a complexidade e dinâmica da vida moderna provoca-lhe a vontade de ultrapassar os limites das próprias sensações. A obra de Álvaro de Campos, passa por 3 fases: a decandentista - que exprime o tédio, o cansaço e a necessidade de novas sensações; a futurista e sensacionista, que se caracteriza pela exaltação da energia e a intimista, que perante a incapacidade das realizações produz frustração. Álvaro de Campos revela como Pessoa a mesma inadaptação à existência, mas pela sua violência e fraqueza clarifica o que em Pessoa ficou discreto e implícito.
Para Campos (heterónimo mais actual), a sensação é tudo, ele deseja “sentir tudo de todas as sensações”. O Sensacionismo traduz a sensação na realidade da vida, onde o Eu do poeta integra e define tudo o que tem existência ou possibilidade de existir. Caeiro; busca as sensações, num todo, procura “sentir tudo de todas as maneiras”. Quanto ao seu Sensacionismo, considera como única realidade, a sensação captada pelos sentidos, rejeitando o pensamento. Devido à complexidade/dinâmica da vida moderna, procura sentir violência e força de todas as sensações, dado o efeito que a nova tecnologia lhe provoca. A obra de Alberto Caeiro passa por 3 fases: decadentista- que exprime o cansaço, tédio e necessidade de novas sensações, uma maneira de fugir à monotonia, e de dar sentido à vida. A futura e sensacionista- que é caracterizada pela exaltação da energia, onde A.C. celebra o triunfo da máquina e da civilização moderna. Contrapõe a beleza das máquinas com a tradicionalmente concebida. E a Intimista - que perante a incapacidade das realizações, traz novamente o abatimento que provoca “um supressísimo cansaço” (frustração). É nesta parte que Caeiro, se revela vazio, um incompreendido pela sociedade, vivendo momentos de angustia. O drama de Caeiro resume-se numa frustração total, fruto da sua incapacidade de ligar pensamento/sentimento. Campos tenta ainda através dos poemas, exprimir a energia/força que se manifesta na vida, daí a sua submissão à expressão da sensibilidade, impulsos, emoções.
TRAÇOS DA SUA POÉTICA
- poeta modernista
- poeta sensacionista (odes)
- cantor das cidades e do cosmopolitanismo (“Ode Triunfal”)
- cantor da vida marítima em todas as suas dimensões (“Ode Marítima”)
- cultor das sensações sem limite
- poeta do verso torrencial e livre
- poeta em que o tema do cansaço se torna fulcral
- poeta da condição humana partilhada entre o nada da realidade e o tudo dos sonhos (“Tabacaria”)
- observador do quotidiano da cidade através do seu desencanto
- poeta da angústia existencial e da auto-ironia
1ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS – DECADENTISMO (“Opiário”, somente)
- abulia, tédio de viver
- procura de sensações novas
- busca de evasão
2ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS
Futurismo
- elogio da civilização industrial e da técnica (“Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!”, Ode Triunfal)
- ruptura com o subjectivismo da lírica tradicional
- atitude escandalosa: transgressão da moral estabelecida
Sensacionismo
- vivência em excesso das sensações (“Sentir tudo de todas as maneiras” – afastamento de Caeiro)
- sadismo e masoquismo (“Rasgar-me todo, abrir-me completamente,/ tornar-me passento/ A todos os perfumes de óleos e calores e carvões...”, Ode Triunfal)
- cantor lúcido do mundo moderno
3ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS – PESSIMISMO
- dissolução do “eu”
- a dor de pensar
- conflito entre a realidade e o poeta
- cansaço, tédio, abulia
- angústia existencial
- solidão
- nostalgia da infância irremediavelmente perdida (“Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!”, Aniversário)
TRAÇOS ESTILÍSTICOS
- verso livre, em geral, muito longo
- assonâncias, onomatopeias (por vezes ousadas), aliterações (por vezes ousadas)
- grafismos expressivos
- mistura de níveis de língua
- enumerações excessivas, exclamações, interjeições, pontuação emotiva
- desvios sintácticos
- estrangeirismos, neologismos
- subordinação de fonemas
- construções nominais, infinitivas e gerundivas
- metáforas ousadas, oximoros, personificações, hipérboles
- estética não aristotélica na fase futurista
Para Álvaro de Campos a sensação é tudo. O sensacionismo torna a sensação a realidade da vida e a base de arte. O EU do poeta tenta integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou possibilidade de existir. Álvaro de Campos é quem melhor procura a totalização das sensações, mas sobretudo das percepções conforme as sente. O sensacionismo de Álvaro de Campos começa a premissa de que a única realidade é a sensação, a complexidade e dinâmica da vida moderna provoca-lhe a vontade de ultrapassar os limites das próprias sensações. A obra de Álvaro de Campos, passa por 3 fases: a decandentista - que exprime o tédio, o cansaço e a necessidade de novas sensações; a futurista e sensacionista, que se caracteriza pela exaltação da energia e a intimista, que perante a incapacidade das realizações produz frustração. Álvaro de Campos revela como Pessoa a mesma inadaptação à existência, mas pela sua violência e fraqueza clarifica o que em Pessoa ficou discreto e implícito.
Para Campos (heterónimo mais actual), a sensação é tudo, ele deseja “sentir tudo de todas as sensações”. O Sensacionismo traduz a sensação na realidade da vida, onde o Eu do poeta integra e define tudo o que tem existência ou possibilidade de existir. Caeiro; busca as sensações, num todo, procura “sentir tudo de todas as maneiras”. Quanto ao seu Sensacionismo, considera como única realidade, a sensação captada pelos sentidos, rejeitando o pensamento. Devido à complexidade/dinâmica da vida moderna, procura sentir violência e força de todas as sensações, dado o efeito que a nova tecnologia lhe provoca. A obra de Alberto Caeiro passa por 3 fases: decadentista- que exprime o cansaço, tédio e necessidade de novas sensações, uma maneira de fugir à monotonia, e de dar sentido à vida. A futura e sensacionista- que é caracterizada pela exaltação da energia, onde A.C. celebra o triunfo da máquina e da civilização moderna. Contrapõe a beleza das máquinas com a tradicionalmente concebida. E a Intimista - que perante a incapacidade das realizações, traz novamente o abatimento que provoca “um supressísimo cansaço” (frustração). É nesta parte que Caeiro, se revela vazio, um incompreendido pela sociedade, vivendo momentos de angustia. O drama de Caeiro resume-se numa frustração total, fruto da sua incapacidade de ligar pensamento/sentimento. Campos tenta ainda através dos poemas, exprimir a energia/força que se manifesta na vida, daí a sua submissão à expressão da sensibilidade, impulsos, emoções.
TRAÇOS DA SUA POÉTICA
- poeta modernista
- poeta sensacionista (odes)
- cantor das cidades e do cosmopolitanismo (“Ode Triunfal”)
- cantor da vida marítima em todas as suas dimensões (“Ode Marítima”)
- cultor das sensações sem limite
- poeta do verso torrencial e livre
- poeta em que o tema do cansaço se torna fulcral
- poeta da condição humana partilhada entre o nada da realidade e o tudo dos sonhos (“Tabacaria”)
- observador do quotidiano da cidade através do seu desencanto
- poeta da angústia existencial e da auto-ironia
1ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS – DECADENTISMO (“Opiário”, somente)
- abulia, tédio de viver
- procura de sensações novas
- busca de evasão
2ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS
Futurismo
- elogio da civilização industrial e da técnica (“Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!”, Ode Triunfal)
- ruptura com o subjectivismo da lírica tradicional
- atitude escandalosa: transgressão da moral estabelecida
Sensacionismo
- vivência em excesso das sensações (“Sentir tudo de todas as maneiras” – afastamento de Caeiro)
- sadismo e masoquismo (“Rasgar-me todo, abrir-me completamente,/ tornar-me passento/ A todos os perfumes de óleos e calores e carvões...”, Ode Triunfal)
- cantor lúcido do mundo moderno
3ª FASE DE ÁLVARO DE CAMPOS – PESSIMISMO
- dissolução do “eu”
- a dor de pensar
- conflito entre a realidade e o poeta
- cansaço, tédio, abulia
- angústia existencial
- solidão
- nostalgia da infância irremediavelmente perdida (“Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!”, Aniversário)
TRAÇOS ESTILÍSTICOS
- verso livre, em geral, muito longo
- assonâncias, onomatopeias (por vezes ousadas), aliterações (por vezes ousadas)
- grafismos expressivos
- mistura de níveis de língua
- enumerações excessivas, exclamações, interjeições, pontuação emotiva
- desvios sintácticos
- estrangeirismos, neologismos
- subordinação de fonemas
- construções nominais, infinitivas e gerundivas
- metáforas ousadas, oximoros, personificações, hipérboles
- estética não aristotélica na fase futurista
ALBERTO CAEIRO – O MESTRE INGÉNUO
Apresenta-se como um guardador de rebanhos, que só se importa em ver de forma objectiva e natural a realidade com a qual contactou a todo o momento. Considera que “pensar é estar doente dos olhos”, ver é conhecer e compreender o mundo, por isso pensa vendo e ouvindo. A Caeiro só interessa vivenciar o mundo que capta pelas sensações, é nesta medida um sensacionista a que o sentido das coisas é reduzido à percepção da cor, da forma e da existência. Recusa o pensamento metafísico, afirmando que pensar é não compreender. Insistindo naquilo a que chama “aprendizagem de desaprender”, ou seja aprender a não pensar, para se libertar de todos os modelos ideológicos, culturais ou outros e poder ver a realidade concreta. Vive de acordo com a natureza na sua simplicidade e paz e vê-a na sua constante renovação, aderindo espontaneamente ás coisas, tais como são e procura gozá-las com despreocupada e alegre sensualidade apreciando a beleza das coisas na sua originalidade e na sua simplicidade.
Para Caeiro fazer poesia é uma atitude involuntária, espontânea, pois vive no presente, não querendo saber de outros tempos, e de impressões, sobretudo visuais, e porque recusa a introspecção, a subjectividade, sendo o poeta do real objectivo.
Caeiro canta o viver sem dor, o envelhecer sem angústia, o morrer sem desespero, o fazer coincidir o ser com o estar, o combate ao vício de pensar, o ser um ser uno, e não fragmentado. Apresenta, ainda:
• Discurso poético de características oralizantes (de acordo com a simplicidade das ideias que apresenta): vocabulário corrente, simples, frases curtas, repetições, frases interrogativas, recurso a perguntas e respostas, reticências;
• Apologia da visão como valor essencial (ciência de ver)
• Relação de harmonia com a Natureza (poeta da natureza)
• Rejeita o pensamento, os sentimentos, e a linguagem porque desvirtuam a realidade (a nostalgia, o anseio, o receio são emoções que perturbam a nitidez da visão de que depende a clareza de espírito)
• Objectivismo
- apagamento do sujeito
- atitude antilírica
- atenção à “eterna novidade do mundo”
- integração e comunhão com a Natureza
- poeta deambulatório • Sensacionismo
- poeta das sensações tal como elas são
- poeta do olhar
- predomínio das sensações visuais (“Vi como um danado”) e das auditivas
- o “Argonauta das sensações verdadeiras”
• Anti-metafísico (“Há bastante metafísica em não pensar em nada.”)
- recusa do pensamento (“Pensar é estar doente dos olhos”)
- recusa do mistério
- recusa do misticismo • Panteísmo Naturalista
- tudo é Deus, as coisas são divinas (“Deus é as árvores e as flores/ E os montes e o luar e o sol...”)
- paganismo
- desvalorização do tempo enquanto categoria conceptual (“Não quero incluir o tempo no meu esquema”)
- contradição entre “teoria” e “prática”
CARACTERÍSTICAS ESTILÍSTICAS
- Verso livre
- Métrica irregular
- Despreocupação a nível fónico
- Pobreza lexical (linguagem simples, familiar)
- Adjectivação objectiva - Pontuação lógica
- Predomínio do presente do indicativo
- Frases simples
- Predomínio da coordenação
- Comparações simples
- Raras metáforas
Apresenta-se como um guardador de rebanhos, que só se importa em ver de forma objectiva e natural a realidade com a qual contactou a todo o momento. Considera que “pensar é estar doente dos olhos”, ver é conhecer e compreender o mundo, por isso pensa vendo e ouvindo. A Caeiro só interessa vivenciar o mundo que capta pelas sensações, é nesta medida um sensacionista a que o sentido das coisas é reduzido à percepção da cor, da forma e da existência. Recusa o pensamento metafísico, afirmando que pensar é não compreender. Insistindo naquilo a que chama “aprendizagem de desaprender”, ou seja aprender a não pensar, para se libertar de todos os modelos ideológicos, culturais ou outros e poder ver a realidade concreta. Vive de acordo com a natureza na sua simplicidade e paz e vê-a na sua constante renovação, aderindo espontaneamente ás coisas, tais como são e procura gozá-las com despreocupada e alegre sensualidade apreciando a beleza das coisas na sua originalidade e na sua simplicidade.
Para Caeiro fazer poesia é uma atitude involuntária, espontânea, pois vive no presente, não querendo saber de outros tempos, e de impressões, sobretudo visuais, e porque recusa a introspecção, a subjectividade, sendo o poeta do real objectivo.
Caeiro canta o viver sem dor, o envelhecer sem angústia, o morrer sem desespero, o fazer coincidir o ser com o estar, o combate ao vício de pensar, o ser um ser uno, e não fragmentado. Apresenta, ainda:
• Discurso poético de características oralizantes (de acordo com a simplicidade das ideias que apresenta): vocabulário corrente, simples, frases curtas, repetições, frases interrogativas, recurso a perguntas e respostas, reticências;
• Apologia da visão como valor essencial (ciência de ver)
• Relação de harmonia com a Natureza (poeta da natureza)
• Rejeita o pensamento, os sentimentos, e a linguagem porque desvirtuam a realidade (a nostalgia, o anseio, o receio são emoções que perturbam a nitidez da visão de que depende a clareza de espírito)
• Objectivismo
- apagamento do sujeito
- atitude antilírica
- atenção à “eterna novidade do mundo”
- integração e comunhão com a Natureza
- poeta deambulatório • Sensacionismo
- poeta das sensações tal como elas são
- poeta do olhar
- predomínio das sensações visuais (“Vi como um danado”) e das auditivas
- o “Argonauta das sensações verdadeiras”
• Anti-metafísico (“Há bastante metafísica em não pensar em nada.”)
- recusa do pensamento (“Pensar é estar doente dos olhos”)
- recusa do mistério
- recusa do misticismo • Panteísmo Naturalista
- tudo é Deus, as coisas são divinas (“Deus é as árvores e as flores/ E os montes e o luar e o sol...”)
- paganismo
- desvalorização do tempo enquanto categoria conceptual (“Não quero incluir o tempo no meu esquema”)
- contradição entre “teoria” e “prática”
CARACTERÍSTICAS ESTILÍSTICAS
- Verso livre
- Métrica irregular
- Despreocupação a nível fónico
- Pobreza lexical (linguagem simples, familiar)
- Adjectivação objectiva - Pontuação lógica
- Predomínio do presente do indicativo
- Frases simples
- Predomínio da coordenação
- Comparações simples
- Raras metáforas
Como Comentar um texto poético?
Estrutura externa
Geralmente, o poema apresenta-se em verso. O primeiro a fazer será a análise métrica do poema, com inclusão de um comentário sobre todos os aspectos métricos: versos, pausas, acentos, rimas e estrofes. É preciso ter em conta que alguns poemas não apresentam uma métrica tradicional, mas verso livre, o qual não responde a nenhum dos aspectos métricos citados.
No verso, indica-se o nome, classificação e origem, (por exemplo: o verso alexandrino é um verso de arte maior, composto por versos heptassílabos, de origem medieval). As pausas finais são as que marcam verdadeiramente o verso, por isso se deve também fazer referência. Pode-se fazer ainda alusão aos ritmos presentes no poema. A rima é outro aspecto formal importante, não esquecer de assinalar o tipo e o esquema rimático.
Finalmente, comenta-se a estrofe. Na formulação tradicional são frequentes as composições de formas fixas: sonetos, por exemplo; mas desde o Modernismo que aparecem esquemas métricos sem esquema fixo, para permitir a livre criação ao poeta.
Estrutura interna
Na estrutura interna analisam-se as diversas partes em que podemos dividir o conteúdo do poema, adiantando, em parte, o significado do poema. A estrutura interna, por vezes, está muito ligada à estrutura externa. Muitas vezes são os recursos próprios da linguagem poética os facilitadores da divisão do poema, porém a sua delimitação é complexa e necessita que se atenda a diversos aspectos que a seguir se apresentam.
Linguagem poética
A análise da linguagem poética é a parte mais árdua da análise. Apresenta múltiplas aberturas e os recursos são muito variados, por isso se deve ir analisando os elementos atribuindo-lhes valores significativos. Apresentar uma enumeração de elementos poéticos sem valor não tem grande interesse para o comentário do poema. Dizer que o poema apresenta muitas metáforas, repetições, ou aliterações carece de interesse se não for acrescentado a expressividade desses recursos. Outro aspecto a evitar é limitar-se a definir as figuras de estilo, (por exemplo: a aliteração é a repetição de fonemas), isto não interessa para o comentário.
Para realizar um bom comentário deve-se evitar as listas e explicações que não trazem nada sobre o texto, o importante é procurar o seu valor poético no poema em análise. Deve-se sempre referir o valor expressivo das figuras de estilo e o valor expressivo que apresentam os materiais linguísticos (palavras). Estes dois aspectos são muito importantes e funcionam quase sempre no mesmo plano.
A seguir apresento alguns elementos que podem servir de guia em qualquer análise poética. Chamo atenção para o facto de estes elementos poderem não aparecer todos em todos os poemas, e cada poema imporá a ordem em que se comentam estes materiais.
Fonologia.
O principal recurso fonológico que apresenta o texto já foi abordado na estrutura externa, pois todos os elementos métricos são fonológicos.
A aliteração, muito presente em muitos poemas pode apresentar valores expressivos importantes conforme os sons que se repetem.
Morfologia.
A Língua oferece múltiplas possibilidades expressivas, apresento algumas mais significativas:
- O substantivo: os valores do substantivo radicam mais do seu significado do que do seu aspecto morfológico. Talvez que o único aspecto morfológico que interessa mais é a presença de morfemas apreciativos - diminutivos, aumentativos e depreciativos. Em todos eles são os valores afectivos que se sobrepõem aos verdadeiramente denotativos. O poeta não aumenta ou diminui magnitudes, apenas manifesta a sua subjectividade face às realidades que alude o substantivo.
- O adjectivo: Deve ser tido em conta pois as suas possibilidades são muito variadas. Aumentam segundo a sua função e frequência: desde o adjectivo com função de atributo aos adjectivos epítetos à volta do nome. A sua colocação face ao nome também é muito variável: por exemplo os adjectivos valorativos normalmente antepõem-se enquanto os objectivos se pospõem.
- O verbo: Os valores modais, aspectais e temporais que o verbo oferece são muito usados por muitos poetas.
- Determinantes e pronomes: normalmente unem-se ao verbo para mostrar as pessoas gramaticais.
Sintaxe
Os recursos sintácticos mais frequentes são: paralelismo, repetição, hipérbato, assíndeto e polissíndeto.
Semântica.
A maior complexidade dos textos poéticos radica do predomínio dos valores conotativos frente aos denotativos. Podem remeter para determinados temas constantes em cada poeta.
As figuras literárias presentes no plano semântico são numerosas.
Figuras de pensamento/recursos estilísticos
Personificação/prosopopeia
Antítese (contraste de ideias)
Hipérbole
Metáfora
Sinestesia
Comparação
Metonímia
Sinédoque
Estrutura externa
Geralmente, o poema apresenta-se em verso. O primeiro a fazer será a análise métrica do poema, com inclusão de um comentário sobre todos os aspectos métricos: versos, pausas, acentos, rimas e estrofes. É preciso ter em conta que alguns poemas não apresentam uma métrica tradicional, mas verso livre, o qual não responde a nenhum dos aspectos métricos citados.
No verso, indica-se o nome, classificação e origem, (por exemplo: o verso alexandrino é um verso de arte maior, composto por versos heptassílabos, de origem medieval). As pausas finais são as que marcam verdadeiramente o verso, por isso se deve também fazer referência. Pode-se fazer ainda alusão aos ritmos presentes no poema. A rima é outro aspecto formal importante, não esquecer de assinalar o tipo e o esquema rimático.
Finalmente, comenta-se a estrofe. Na formulação tradicional são frequentes as composições de formas fixas: sonetos, por exemplo; mas desde o Modernismo que aparecem esquemas métricos sem esquema fixo, para permitir a livre criação ao poeta.
Estrutura interna
Na estrutura interna analisam-se as diversas partes em que podemos dividir o conteúdo do poema, adiantando, em parte, o significado do poema. A estrutura interna, por vezes, está muito ligada à estrutura externa. Muitas vezes são os recursos próprios da linguagem poética os facilitadores da divisão do poema, porém a sua delimitação é complexa e necessita que se atenda a diversos aspectos que a seguir se apresentam.
Linguagem poética
A análise da linguagem poética é a parte mais árdua da análise. Apresenta múltiplas aberturas e os recursos são muito variados, por isso se deve ir analisando os elementos atribuindo-lhes valores significativos. Apresentar uma enumeração de elementos poéticos sem valor não tem grande interesse para o comentário do poema. Dizer que o poema apresenta muitas metáforas, repetições, ou aliterações carece de interesse se não for acrescentado a expressividade desses recursos. Outro aspecto a evitar é limitar-se a definir as figuras de estilo, (por exemplo: a aliteração é a repetição de fonemas), isto não interessa para o comentário.
Para realizar um bom comentário deve-se evitar as listas e explicações que não trazem nada sobre o texto, o importante é procurar o seu valor poético no poema em análise. Deve-se sempre referir o valor expressivo das figuras de estilo e o valor expressivo que apresentam os materiais linguísticos (palavras). Estes dois aspectos são muito importantes e funcionam quase sempre no mesmo plano.
A seguir apresento alguns elementos que podem servir de guia em qualquer análise poética. Chamo atenção para o facto de estes elementos poderem não aparecer todos em todos os poemas, e cada poema imporá a ordem em que se comentam estes materiais.
Fonologia.
O principal recurso fonológico que apresenta o texto já foi abordado na estrutura externa, pois todos os elementos métricos são fonológicos.
A aliteração, muito presente em muitos poemas pode apresentar valores expressivos importantes conforme os sons que se repetem.
Morfologia.
A Língua oferece múltiplas possibilidades expressivas, apresento algumas mais significativas:
- O substantivo: os valores do substantivo radicam mais do seu significado do que do seu aspecto morfológico. Talvez que o único aspecto morfológico que interessa mais é a presença de morfemas apreciativos - diminutivos, aumentativos e depreciativos. Em todos eles são os valores afectivos que se sobrepõem aos verdadeiramente denotativos. O poeta não aumenta ou diminui magnitudes, apenas manifesta a sua subjectividade face às realidades que alude o substantivo.
- O adjectivo: Deve ser tido em conta pois as suas possibilidades são muito variadas. Aumentam segundo a sua função e frequência: desde o adjectivo com função de atributo aos adjectivos epítetos à volta do nome. A sua colocação face ao nome também é muito variável: por exemplo os adjectivos valorativos normalmente antepõem-se enquanto os objectivos se pospõem.
- O verbo: Os valores modais, aspectais e temporais que o verbo oferece são muito usados por muitos poetas.
- Determinantes e pronomes: normalmente unem-se ao verbo para mostrar as pessoas gramaticais.
Sintaxe
Os recursos sintácticos mais frequentes são: paralelismo, repetição, hipérbato, assíndeto e polissíndeto.
Semântica.
A maior complexidade dos textos poéticos radica do predomínio dos valores conotativos frente aos denotativos. Podem remeter para determinados temas constantes em cada poeta.
As figuras literárias presentes no plano semântico são numerosas.
Figuras de pensamento/recursos estilísticos
Personificação/prosopopeia
Antítese (contraste de ideias)
Hipérbole
Metáfora
Sinestesia
Comparação
Metonímia
Sinédoque
Para Compreender Fernando Pessoa e os seus heterónimos…
Leia a Carta que Fernando Pessoa escreveu ao seu amigo Adolfo Casais Monteiro - A Gênese dos Heterónimos
A GÊNESE DOS HETEÓNIMOS* (1935)
“TIVE SEMPRE, desde criança, a necessidade de aumentar o mundo com personalidades fictícias, sonhos meus rigorosamente construí¬dos, visionados com clareza fotográfica, compreendidos por dentro das suas almas. Não tinha eu mais que cinco anos, e, criança isola¬da e não desejando senão assim estar, já me acompanhavam algumas figuras de meu sonho — um capitão Thibeaut, um Chevalier de Pas — e outros que já me esqueceram, e cujo esquecimento, como a imperfeita lembrança daqueles - é uma das grandes saudades da minha vida.
Isto parece simplesmente aquela imaginação infantil que se entretém com a atribuição de vida a bonecos ou bonecas. Era porém mais: eu não precisava de bonecas para conceber intensamente essas figuras. Claras e visíveis no meu sonho constante, realidades exata¬mente humanas para mim, qualquer boneco, por irreal, as estraga¬ria. Eram gente.
Além disto, esta tendência não passou com a infância, desenvolveu-se na adolescência, radicou-se com o crescimento dela, tornou-se finalmente a forma natural do meu espírito. Hoje já não tenho personalidade: quanto em mim haja de humano, eu o dividi entre os autores vários de cuja obra tenho sido o executor. Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha.
Trata-se, contudo, simplesmente do temperamento dramático elevado ao máximo; escrevendo, em vez de dramas em atos e ação, dramas em almas. Tão simples é, na sua substância, este fenómeno aparentemente tão confuso.
Não nego, porém — favoreço, até —, a explicação psiquiátrica, mas deve compreender-se que toda a actividade superior do espírito, porque é anormal, é igualmente susceptível de interpretação psiquiátrica. Não me custa admitir que eu seja louco, mas exijo que se compreenda que não sou louco diferentemente de Shakespeare, qual¬quer que seja o valor relativo dos produtos do lado são da nossa loucura.
Médium, assim, de mim mesmo todavia subsisto. Sou, porém, me¬nos real que os outros, menos coeso (?), menos pessoal, eminentemente influenciável por eles todos. Sou também discípulo de Caeiro, e ainda me lembro do dia — 13 de Março de 1914 — quando, tendo “ouvido pela primeira vez” (isto é, tendo acabado de escrever, de um só hausto do espírito) grande número dos primeiros poemas do Guardador de Rebanhos, imediatamente escrevi, a fio, os seis poemas-intersecções que compõem a Chuva Oblíqua (Orpheu 2), manifesto e lógico resultado da influência de Caeiro sobre o temperamento de Fernando Pessoa. “
EM SÍNTESE: Pessoa e a Heteronímia
Para o poeta, a própria criação dos heterónimos não passa de um jogo. É certo que o próprio radica a origem dos seus heterónimos na tendência que tinha em criança de criar companheiros imaginários para brincar. Mas a verdade é que já então, como agora na literatura, se tratava de um jogo. Os heterónimos são o travejamento do grande jogo artístico de Pessoa.
Cada heterónimo que surgia correspondia não só a uma determinada posição ideológica e artística de Pessoa, mas também a um modo diferente de escrita.
A maior e mais genial das metáforas criadas por Pessoa foi o ter-se instituído multiplamente como vários poetas diferentes, sem deixar, no entanto, de ser “ele”. O fingimento é a mola mais poderosa da sua poesia, e o ponto mais alto do seu fingimento está na sua despersonalização nos vários heterónimos, na criação do seu “drama em gente”. Os heterónimos são o travejamento do seu cosmos poético.
Leia a Carta que Fernando Pessoa escreveu ao seu amigo Adolfo Casais Monteiro - A Gênese dos Heterónimos
A GÊNESE DOS HETEÓNIMOS* (1935)
“TIVE SEMPRE, desde criança, a necessidade de aumentar o mundo com personalidades fictícias, sonhos meus rigorosamente construí¬dos, visionados com clareza fotográfica, compreendidos por dentro das suas almas. Não tinha eu mais que cinco anos, e, criança isola¬da e não desejando senão assim estar, já me acompanhavam algumas figuras de meu sonho — um capitão Thibeaut, um Chevalier de Pas — e outros que já me esqueceram, e cujo esquecimento, como a imperfeita lembrança daqueles - é uma das grandes saudades da minha vida.
Isto parece simplesmente aquela imaginação infantil que se entretém com a atribuição de vida a bonecos ou bonecas. Era porém mais: eu não precisava de bonecas para conceber intensamente essas figuras. Claras e visíveis no meu sonho constante, realidades exata¬mente humanas para mim, qualquer boneco, por irreal, as estraga¬ria. Eram gente.
Além disto, esta tendência não passou com a infância, desenvolveu-se na adolescência, radicou-se com o crescimento dela, tornou-se finalmente a forma natural do meu espírito. Hoje já não tenho personalidade: quanto em mim haja de humano, eu o dividi entre os autores vários de cuja obra tenho sido o executor. Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha.
Trata-se, contudo, simplesmente do temperamento dramático elevado ao máximo; escrevendo, em vez de dramas em atos e ação, dramas em almas. Tão simples é, na sua substância, este fenómeno aparentemente tão confuso.
Não nego, porém — favoreço, até —, a explicação psiquiátrica, mas deve compreender-se que toda a actividade superior do espírito, porque é anormal, é igualmente susceptível de interpretação psiquiátrica. Não me custa admitir que eu seja louco, mas exijo que se compreenda que não sou louco diferentemente de Shakespeare, qual¬quer que seja o valor relativo dos produtos do lado são da nossa loucura.
Médium, assim, de mim mesmo todavia subsisto. Sou, porém, me¬nos real que os outros, menos coeso (?), menos pessoal, eminentemente influenciável por eles todos. Sou também discípulo de Caeiro, e ainda me lembro do dia — 13 de Março de 1914 — quando, tendo “ouvido pela primeira vez” (isto é, tendo acabado de escrever, de um só hausto do espírito) grande número dos primeiros poemas do Guardador de Rebanhos, imediatamente escrevi, a fio, os seis poemas-intersecções que compõem a Chuva Oblíqua (Orpheu 2), manifesto e lógico resultado da influência de Caeiro sobre o temperamento de Fernando Pessoa. “
EM SÍNTESE: Pessoa e a Heteronímia
Para o poeta, a própria criação dos heterónimos não passa de um jogo. É certo que o próprio radica a origem dos seus heterónimos na tendência que tinha em criança de criar companheiros imaginários para brincar. Mas a verdade é que já então, como agora na literatura, se tratava de um jogo. Os heterónimos são o travejamento do grande jogo artístico de Pessoa.
Cada heterónimo que surgia correspondia não só a uma determinada posição ideológica e artística de Pessoa, mas também a um modo diferente de escrita.
A maior e mais genial das metáforas criadas por Pessoa foi o ter-se instituído multiplamente como vários poetas diferentes, sem deixar, no entanto, de ser “ele”. O fingimento é a mola mais poderosa da sua poesia, e o ponto mais alto do seu fingimento está na sua despersonalização nos vários heterónimos, na criação do seu “drama em gente”. Os heterónimos são o travejamento do seu cosmos poético.
O Modernismo
Entende-se por «Modernismo» um movimento estético, em que a literatura surge associada às artes plásticas e é por elas influenciada, empreendido pela geração de Fernando Pessoa (n. 1888), Mário Sá-Carneiro (n. 1890) e Almada-Negreiros (n. 1893), em uníssono com a arte e a literatura mais avançadas na Europa, sem prejuízo, porém, da sua originalidade nacional. Trata-se, pois, de algo delimitado no tempo, algo sobre que temos já uma perspectiva histórica, embora seja lícito, não só descobrir-lhe precedentes na própria literatura portuguesa (sobretudo na geração de Eça de Queirós, autor das atrevidas Prosas Bárbaras e criador, com Antero, do poeta fictício, baudelairiano, Carlos Fradique Mendes; em Cesário Verde, em Eugénio de Castro, em Camilo Pessanha, em Patrício), mas ainda assinalar os seus prolongamentos até aos nossos dias, a sua acção decisiva na instauração entre nós do que consideramos agora a «modernidade». O modernismo assim definido tem consequências mais profundas que o simbolismo-decadentismo de 1890, a que os Espanhóis chamam «Modernismo»: implica uma nova concepção da literatura como linguagem, põe em causa as relações tradicionais entre autor e obra, suscita uma exploração mais ampla dos poderes e limites do Homem, no momento em que defronta um mundo em crise, ou a crise duma imagem congruente do Homem e do mundo.
Foi por 1913, em Lisboa, que se constituiu o núcleo do grupo modernista. Ao invés dos movimentos literários anteriores (Simbolismo, Saudosismo), o Modernismo seria basicamente lisboeta, apenas com algumas adesões de Coimbra (o poeta e ficcionista Albino de Meneses, etc.) e ecos vagos noutros pontos da província. Pessoa e Sá-carneiro haviam colaborado n' A Águia, órgão do Saudosismo; mas iam agora realizar-se em oposição a este, desejosos como estavam de imprimir ao ambiente literário português o tom europeu, audaz e requintado, que faltava à poesia saudosista. Nesse ano de 1913 escreveu Sá-Carneiro, aplaudido pelo seu amigo F. Pessoa, os poemas de Dispersão; ambos nutriam o sonho duma revista, significativamente intitulada Europa; F. Pessoa dava início a uma escola efémera compondo o poema «Paúis» (publicado em Renascença, Fevereiro de 1914); Pessoa e Almada travavam relações, graças à primeira exposição (de caricaturas) por este efectuada, e criticada por aquele nas colunas d' A Águia (cf. Páginas de Doutrina Estética de F. Pessoa). Em 1914 os nossos jovens modernistas, estimulados pela aragem de actualidade vinda de Paris com Sá-Carneiro e Santa-Rita Pintor, adepto do futurismo, faziam seu o projecto que Luís da Silva Ramos (Luís de Montalvor) acabava de trazer do Brasil: o lançamento duma revista luso-brasileira, Orpheu. Dessa revista saíram com efeito dois números (os únicos publicados) em 1915; feitos, em parte, para irritar o burguês, para escandalizar, estes dois números alcançaram o fim proposto, tornando-se alvo das troças dos jornais; mas a empresa não pôde prosseguir por falta de dinheiro. Em Abril de 1916, o suicídio de Sá-Carneiro privou o grupo dum dos seus grandes valores. Entretanto, a geração modernista continuou a manifestar-se, quer em publicações individuais, quer através de outras revistas: Exílio (1916), com um só número, onde Fernando Pessoa deu a lume «Hora Absurda» e um artigo sobre o «movimento sensacionista»; Centauro (1916), com textos de Montalvor («Tentativa de um ensaio sobre a decadência»), Camilo Pessanha, A. Osório de Castro, F. Pessoa (série de sonetos «Passos da Cruz») e Raul Leal; Portugal Futurista (1917), com reproduções de quadros de Santa-Rita Pintor e Sousa Cardoso, um manifesto de Marinetti, versos de Apollinaire e Blaise Cendras, prosa e versos (?) de Almada - os mais acintosamente futuristas -, poemas de Sá-Carneiro e Pessoa («Ficções do Interlúdio»), o «Ultimatum» de Álvaro de Campos. Foi também em 1917 que Almada-Negreiros, «poeta do Orpheu, sensacionista e Narciso do Egipto», organizou no Teatro República (hoje São Luís) uma escandalosa sessão futurista, cujos textos aquela revista exara. Dentro ainda da corrente modernista (dum modernismo já serenado ou atenuado) cumpre citar a Contemporânea (1922-26), onde Pessoa louva o helenismo de António Botto, e Álvaro de Campos (por cause...) discorda dos juízos estéticos de Pessoa, e Athena (1924-25), dirigida por F. Pessoa e Ruy Vaz, onde saíram os «Apontamentos para uma estética não-aristotélica» de Álvaro de Campos. Na corrente modernista enfileiraram também Gil Vaz (pseud. de Manuel Mendes Pinheiro), Mendes de Brito (aliás Mem de Brito e José Galeno), Castelo de Morais o contista de Sangue Bárbaro, Carlos Franco, pintor que morreu em combate em França, Ponce de Leão, poeta e crítico (Se Gil Vicente voltasse!), dramaturgo (A Casaca Encarnada, Inimigos, Lua de Mel, Extremo Recurso, etc.), além de crítico teatral.
A revista Presença, aparecida em 1927, não só deu a conhecer e valorizou criticamente as obras dos homens do Orpheu, como lhes herdou o espírito por intermédio de alguns dos presencistas, pertencentes já a uma segunda geração modernista. Nela colaborou Fernando Pessoa. No Orpheu, são futuristas a «Ode Triunfal» e a «Ode Marítima» (dependentes aliás de Whitman, mais que de Marinetti) de Álvaro de Campos, e o poema «Manucure», com que Sá-Carneiro pagou um tributo de circunstância a essa escola. Futuristas, porque não voltam costas à vida moderna refugiando-se, ressentidos e desistentes, no mundo interior; pelo contrário, cantam os grandes frémitos, as euforias da civilização mecânica, «Gritos de actual e Comércio e Indústria / Em trânsito cosmopolita»; e Sá- Carneiro, mais «palhaço» ainda, lança palavras e números «em liberdade», introduz no poema sinais de vários alfabetos, tabuletas de firmas comerciais, onomatopeias exóticas em vários corpos tipográficos, segundo uma técnica publicitária.
Entende-se por «Modernismo» um movimento estético, em que a literatura surge associada às artes plásticas e é por elas influenciada, empreendido pela geração de Fernando Pessoa (n. 1888), Mário Sá-Carneiro (n. 1890) e Almada-Negreiros (n. 1893), em uníssono com a arte e a literatura mais avançadas na Europa, sem prejuízo, porém, da sua originalidade nacional. Trata-se, pois, de algo delimitado no tempo, algo sobre que temos já uma perspectiva histórica, embora seja lícito, não só descobrir-lhe precedentes na própria literatura portuguesa (sobretudo na geração de Eça de Queirós, autor das atrevidas Prosas Bárbaras e criador, com Antero, do poeta fictício, baudelairiano, Carlos Fradique Mendes; em Cesário Verde, em Eugénio de Castro, em Camilo Pessanha, em Patrício), mas ainda assinalar os seus prolongamentos até aos nossos dias, a sua acção decisiva na instauração entre nós do que consideramos agora a «modernidade». O modernismo assim definido tem consequências mais profundas que o simbolismo-decadentismo de 1890, a que os Espanhóis chamam «Modernismo»: implica uma nova concepção da literatura como linguagem, põe em causa as relações tradicionais entre autor e obra, suscita uma exploração mais ampla dos poderes e limites do Homem, no momento em que defronta um mundo em crise, ou a crise duma imagem congruente do Homem e do mundo.
Foi por 1913, em Lisboa, que se constituiu o núcleo do grupo modernista. Ao invés dos movimentos literários anteriores (Simbolismo, Saudosismo), o Modernismo seria basicamente lisboeta, apenas com algumas adesões de Coimbra (o poeta e ficcionista Albino de Meneses, etc.) e ecos vagos noutros pontos da província. Pessoa e Sá-carneiro haviam colaborado n' A Águia, órgão do Saudosismo; mas iam agora realizar-se em oposição a este, desejosos como estavam de imprimir ao ambiente literário português o tom europeu, audaz e requintado, que faltava à poesia saudosista. Nesse ano de 1913 escreveu Sá-Carneiro, aplaudido pelo seu amigo F. Pessoa, os poemas de Dispersão; ambos nutriam o sonho duma revista, significativamente intitulada Europa; F. Pessoa dava início a uma escola efémera compondo o poema «Paúis» (publicado em Renascença, Fevereiro de 1914); Pessoa e Almada travavam relações, graças à primeira exposição (de caricaturas) por este efectuada, e criticada por aquele nas colunas d' A Águia (cf. Páginas de Doutrina Estética de F. Pessoa). Em 1914 os nossos jovens modernistas, estimulados pela aragem de actualidade vinda de Paris com Sá-Carneiro e Santa-Rita Pintor, adepto do futurismo, faziam seu o projecto que Luís da Silva Ramos (Luís de Montalvor) acabava de trazer do Brasil: o lançamento duma revista luso-brasileira, Orpheu. Dessa revista saíram com efeito dois números (os únicos publicados) em 1915; feitos, em parte, para irritar o burguês, para escandalizar, estes dois números alcançaram o fim proposto, tornando-se alvo das troças dos jornais; mas a empresa não pôde prosseguir por falta de dinheiro. Em Abril de 1916, o suicídio de Sá-Carneiro privou o grupo dum dos seus grandes valores. Entretanto, a geração modernista continuou a manifestar-se, quer em publicações individuais, quer através de outras revistas: Exílio (1916), com um só número, onde Fernando Pessoa deu a lume «Hora Absurda» e um artigo sobre o «movimento sensacionista»; Centauro (1916), com textos de Montalvor («Tentativa de um ensaio sobre a decadência»), Camilo Pessanha, A. Osório de Castro, F. Pessoa (série de sonetos «Passos da Cruz») e Raul Leal; Portugal Futurista (1917), com reproduções de quadros de Santa-Rita Pintor e Sousa Cardoso, um manifesto de Marinetti, versos de Apollinaire e Blaise Cendras, prosa e versos (?) de Almada - os mais acintosamente futuristas -, poemas de Sá-Carneiro e Pessoa («Ficções do Interlúdio»), o «Ultimatum» de Álvaro de Campos. Foi também em 1917 que Almada-Negreiros, «poeta do Orpheu, sensacionista e Narciso do Egipto», organizou no Teatro República (hoje São Luís) uma escandalosa sessão futurista, cujos textos aquela revista exara. Dentro ainda da corrente modernista (dum modernismo já serenado ou atenuado) cumpre citar a Contemporânea (1922-26), onde Pessoa louva o helenismo de António Botto, e Álvaro de Campos (por cause...) discorda dos juízos estéticos de Pessoa, e Athena (1924-25), dirigida por F. Pessoa e Ruy Vaz, onde saíram os «Apontamentos para uma estética não-aristotélica» de Álvaro de Campos. Na corrente modernista enfileiraram também Gil Vaz (pseud. de Manuel Mendes Pinheiro), Mendes de Brito (aliás Mem de Brito e José Galeno), Castelo de Morais o contista de Sangue Bárbaro, Carlos Franco, pintor que morreu em combate em França, Ponce de Leão, poeta e crítico (Se Gil Vicente voltasse!), dramaturgo (A Casaca Encarnada, Inimigos, Lua de Mel, Extremo Recurso, etc.), além de crítico teatral.
A revista Presença, aparecida em 1927, não só deu a conhecer e valorizou criticamente as obras dos homens do Orpheu, como lhes herdou o espírito por intermédio de alguns dos presencistas, pertencentes já a uma segunda geração modernista. Nela colaborou Fernando Pessoa. No Orpheu, são futuristas a «Ode Triunfal» e a «Ode Marítima» (dependentes aliás de Whitman, mais que de Marinetti) de Álvaro de Campos, e o poema «Manucure», com que Sá-Carneiro pagou um tributo de circunstância a essa escola. Futuristas, porque não voltam costas à vida moderna refugiando-se, ressentidos e desistentes, no mundo interior; pelo contrário, cantam os grandes frémitos, as euforias da civilização mecânica, «Gritos de actual e Comércio e Indústria / Em trânsito cosmopolita»; e Sá- Carneiro, mais «palhaço» ainda, lança palavras e números «em liberdade», introduz no poema sinais de vários alfabetos, tabuletas de firmas comerciais, onomatopeias exóticas em vários corpos tipográficos, segundo uma técnica publicitária.
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