CLASSIFICAÇÃO DA OBRA - FREI LUÍS DE SOUSA de Almeida Garrett
«Garrett disse na Memória ao Conservatório que o conteúdo do Frei Luís de Sousa tem todas as características de uma tragédia. No entanto, chama-lhe drama, por não obedecer à estrutura formal da tragédia: não é em verso, mas em prosa; não tem cinco atos; não respeita as unidades de tempo e de lugar; não tem assunto antigo.
Sendo assim, quase podemos dizer que é uma tragédia, quanto ao assunto. Na verdade,
1. o número de personagens é diminuto;
2. Madalena, casando sem ter a certeza do seu estado livre, e Manuel de Sousa, incendiando o palácio, desafiam as prepotências divinas e humanas (a hybris);
3. uma fatalidade (a desonra de uma família, equivalente à morte moral), que o assistente vislumbra logo na primeira cena, cai gradualmente (climax) sobre Madalena, atingindo todas as restantes personagens (pathos);
4. contra essa fatalidade os protagonistas não podem lutar (se pudessem e assim conseguissem mudar o rumo dos acontecimentos, a peça seria um drama); limitam-se a aguardar, impotentes e cheios de ansiedade, o desfecho que se afigura cada vez mais pavoroso;
5. há um reconhecimento: a identificação do Romeiro (a agnorisis);
6. Telmo, dizendo verdades duras à protagonista, e Frei Jorge, tendo sempre uma palavra de conforto, parecem o coro.
Mas, por outro lado, a peça está a transbordar de romantismo:
1. a crença no sebastianismo;
2. a crença no aparecimento dos mortos, em Telmo;
3. a crença em agouros, em dias aziagos, em superstições;
4. as visões de Maria, os seus sonhos, o seu idealismo patriótico;
5. o «titanismo» de Manuel de Sousa incendiando a casa só para que os Governadores do Reino a não utilizassem;
6. a atitude que Maria toma no final da peça ao insurgir-se contra a lei do matrimónio uno e indissolúvel, que força os pais à separação e lhos rouba.
Se a isto acrescentarmos certas características formais, como
7. o uso da prosa;
8. a divisão em três atos;
9. o estilo todo, do princípio ao fim,
teremos que concluir que é um drama romântico, com lances de tragédia apenas no conteúdo.»
(texto revisto pelo AO)Barreiros, António José, História da Literatura Portuguesa, vol. II
Em síntese:
Características clássicas da obra
Tem unidade de ação, com progressão dramática de acontecimentos até atingir o clímax; o sofrimento (pathos) apodera-se, progressivamente, das personagens até à catástrofe; o incêndio provocado por Manuel de Sousa pode considerar-se um excesso, um desafio (hybris); há a ação constante da fatalidade, do destino (ananké); há os presságios lançados sobretudo por Telmo (função do coro na tragédia clássica); dá-se o reconhecimento (agnórise) que dá origem à catástrofe; as personagens são nobres (aristocráticas) e sempre poucas em cena.
Não obedece, porém à unidade de espaço e de tempo e não foi escrita em verso, como as tragédias clássicas, pelo que, pela própria opinião do autor, na Memória ao Conservatório Real, é melhor considerar esta obra como um drama.
Características românticas
Embora não perfeitamente histórico, o assunto é nacional, originário do messianismo que constituía uma reação contra a dominação espanhola. Maria e Madalena são verdadeiras heroínas românticas pelo seu comportamento emocional.
A religião consoladora parece suavizar o sofrimento trágico de Madalena e Manuel de Sousa. Aliás, uma sensibilidade cristã percorre toda a obra e o próprio conflito tem, em grande parte, origem na ética cristã. A morte de uma personagem em cena admite-se no romantismo, mas não no classicismo.
A linguagem e o estilo têm, também, características românticas.
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